A Bíblia ensina que Jesus ofereceu aos apóstolos, na última
Ceia, o pão e o vinho como Seu corpo e sangue. Afirmou ali que aquele era o Seu
corpo que deveria logo ser entregue por eles. Tratava-se de uma cerimônia muito
impactante para as mentes dos apóstolos.
O apologista Norman Geisler, que afirma ter uma familiaridade
profunda com a doutrina católica, responde aos argumentos católicos sobre a
Eucaristia, e acredita tê-los refutado.
Geisler começa mostrando que não é a participação da ceia que
dá a salvação, mas a fé em Cristo. E usa a passagem de João 3, 14-18
contrapondo-a com a de João 6,54. Se ter parte na eucaristia fosse condição
para ser salvo, não o seria a fé. Se a fé o fosse, não o seria a participação
dos elementos da comunhão.
Mas, Geisler não compreende que a doutrina cristã católica
aponta a fé como a raiz para tudo isso. Se João 3,14-18 afirma a necessidade
absoluta da fé, ela deve estar presente para que a promessa de João 6,54 se
concretize. Ninguém participaria da eucaristia e seria abençoado com a dádiva
da salvação sem a fé. Ambas as verdades devem ser acatadas.
Para o protestante só vale um texto: o da fé. O outro é
interpretado por esse, e deveria também indicar somente isso: a fé. Em outras
palavras, João 3,18 que fala claramente da fé explicaria, por exemplo, João
6,54, que fala do comer o corpo e bebe o sangue, que deveria identificar-se com
o ato de fé.
Para melhor refutar essa exposição, lembremos que ambos os textos
devem ser melhor explicados por seus contextos, e não apenas comparando um com
o outro e, como que, suprimindo um. Voltando o que foi dito: o que está em João
3 não pode desfazer o que está em João 6. A fé é necessária, mas não é o mesmo
que comer o corpo e beber o sangue.
Para o protestantismo, no qual a doutrina da salvação pela fé
é um dos pontos mais ressaltados, compreende-se que a sistemática doutrina
bíblica que mostra magistralmente a fé como o meio para termos a salvação em
Cristo seja a forma usada para entender as demais passagens que tratem da
salvação. No entanto, a forma usada pelo Protestantismo deixa textos sem a
devida apreciação, quando esses falam da salvação e não mencionem a fé. Com
receio de errar, por muito zelo, talvez, preferem entender que uma passagem
difícil tenha o mesmo sentido de outra que supostamente a explique. Esse é o
caso de entender o comer e beber como sendo simplesmente a fé, pois não poderia
uma participação em um sacramento trazer a salvação quando em outra passagem a
mesma é dita ser através da fé em Jesus. Com isso fica mais compreensível como
o protestantismo explica a Escritura no tocante à Ceia do Senhor.
Mas o catolicismo nunca fez tal coisa. Ambas as passagens
devem ser compreendidas da forma como foram escritas, e entendidas em seus respectivos
contextos. Quanto à salvação pela fé não há o que discutir. Porém, quando algo
mais é oferecido como parte integrante da salvação, a Igreja Católica considera
igualmente o que for ensinado na Bíblia, como faz com a eucaristia como
necessária, em suas devidas dimensões, para a salvação.
Para o protestantismo, a participação da ceia torna-se mera
obediência a uma ordenança, não dando salvação, pois essa vem de Cristo, pela
fé.
Para o catolicismo, a mesma salvação que vem de Cristo, pela
fé, é fundamento para a participação da eucaristia. Não é a eucaristia que está
em primeiro lugar, mas a fé, que é a raiz de toda a comunhão com Jesus. No
entanto, conforme Jesus ensinou, quem não come a carne e bebe o sangue do
Salvador, não tem a vida eterna. A participação da eucaristia por aquele que
tem fé em Cristo torna-se agora necessária. Não é mera formalidade, mas algo
que tem a ver com a vida de salvação. Pode-se afirmar que o salvo crê nas
palavras da eucaristia, e dela participa como alimento espiritual.
Quanto à interpretação contextual de João 6, segue um estudo
que realizei, e que responde a muitas coisas contidas nas objeções de Norman
Geisler (aqui).
Oportunamente tratarei das outras objeções.
Nos textos de Mateus 26,26-29; Marcos 14,22-25; Lucas 22,
17-22; João 6,27-63 e 1 Coríntios 11,23-25, e ainda em 1 Coríntios 10,14-22,
está estabelecida a doutrina da Eucaristia.
Nos Evangelhos sinóticos temos a narração da Última Ceia,
quando o Senhor identifica o pão com o Seu Corpo, ordenando que se fizesse
memória dEle, e o cálice com o Novo Testamento do Seu Sangue (Lc
22,19-20). E todos os apóstolos comeram.
Em São João, no capítulo 6, no discurso em Cafarnaum, temos a
verdade que foi realizada na Última Ceia.
A forma bem detalhada do capítulo torna possível o completo
entendimento sobre a Eucaristia. O verso 27, por exemplo, é bastante
importante.
Comparando o esforço para obtenção da comida física, Jesus
manda “trabalhar” pela “comida que permanece para a vida eterna”.
Dessa forma, há uma obra para obter tal comida. Outra coisa
interessante é o tempo verbal: futuro. Jesus diz dessa comida: “o Filho do
homem VOS DARÁ”.
O Protestantismo ensina que a fé equivale ao “comer a carne”
e “beber o sangue”, sendo, portanto, expressões metafóricas e não literais.
Se for assim, esse discurso do Senhor terá essa acepção. No
entanto, vejamos: quando os judeus perguntam “que faremos para executarmos as
obras de Deus? (v. 28)”, o Senhor responde que a OBRA de Deus é crer nEle (v.
29). Portanto, é a FÉ. Ele afirma clara e literalmente a necessidade da
fé, o que já é estranho usar de uma metáfora para indicar o que está dito
diretamente.
O discurso nessa fase é bastante direto e claro, não faz uso
de metáforas:
Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que
creiais naquele que ele enviou.
E os judeus entendem a exigência de Jesus, mas retrucam:
Disseram-lhe, pois: Que sinal, pois, fazes tu, PARA QUE o
vejamos, e CREIAMOS em ti? Que operas tu?
Pedem sinais para crer, para ter fé nEle. Entenderam a
necessidade, mas não encontraram “motivo” para acreditarem. Requerem uma razão
para ter fé.
Então, o Senhor Jesus fala abertamente que Ele é o Pão do
céu, que mata a fome e sacia a sede (v. 35), afirmando, adiante, que eles não
criam (v. 36).
E, logo mais, mostra que a fé nEle faz ter a vida eterna, e
ser digno da ressurreição (v. 40). É a fé o começo, o fundamento para ganhar a
salvação. O mesmo está no v. 47:
“Na verdade, na verdade vos digo que aquele QUE CRÊ EM MIM
TEM A VIDA ETERNA.”
O tema da FÉ está bastante claro, e os judeus não quiseram
aceitar. A metáfora, portanto, não indica a fé.
Por isso, a partir do verso 51, Cristo estende a doutrina,
mostrando que o pão é a Sua carne, que deve ser comida, para que o mundo tenha
vida. Nesse momento, os judeus discutem.
Preste atenção, que o assunto já havia sido apresentado, que
era a necessidade de aceitar Jesus como o Pão vivo e receber a graça da vida
eterna, através da fé nEle. Se a fé fosse comer o Pão, tal caso já teria sido
entendido pelos judeus, mas eles negaram essa conotação.
Mas, agora, ao introduzir a necessidade de comer a CARNE (que
é o pão), os judeus, que negaram-se a crer, ficam ainda mais assustados:
“Como nos pode dar este a sua carne a comer?” (v. 52).
Jesus confirma o que foi dito (v. 53). E no verso 54 afirma
que:
“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida
eterna, e eu o ressuscitarei no último dia.”
No entanto, comer a carne e beber o sangue para ter a vida
eterna, tem como necessidade a fé em Jesus, como disse no v. 40:
“Porquanto a vontade daquele que me enviou é esta: Que todo
aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna; e eu o ressuscitarei no
último dia.”
Muitos veem aqui uma equiparação do “come” e “bebe” com o
“vê” e “crê” (vv. 40 e 54), mas o contexto não favorece essa interpretação.
Lembre-se que o Senhor Jesus iniciou falando que deveriam “trabalhar”
para fazer a “obra” de Deus, que é “crer” NELE, não é mesmo?
Entendamos então: basta crermos em Jesus, e a obra de Deus
estará realizada, e Ele nos dá o alimento, que é o Pão vivo, Ele mesmo. De
fato, Sua Carne é verdadeiramente comida e o Seu Sangue verdadeiramente bebida
(v. 55).
Assim, o que o Senhor ensina é que a fé é necessária para
comungarmos dEle, não que a fé já é a própria comunhão da qual se fala aqui. São
dois elementos: a fé e a comunhão eucarística.
“Porque nós, sendo muitos, somos um só pão e um só corpo,
porque todos participamos do mesmo pão. Vede a Israel segundo a carne; os que
comem os sacrifícios não são porventura participantes do altar?” (1 Cor
10,17-18).
Por isso, São Paulo compara os judeus que participam do
Altar quando comem das vítimas sacrificadas, e os pagãos que entram em
comunhão com os ídolos quando tomam parte nos seus sacrifícios.
Dessa forma, os cristãos entram em comunhão com Jesus quando
participam da Eucaristia “do mesmo pão”, que é o Seu sacrifício (1 Cor 10, 17).
Vê-se, assim, que as palavras de Jesus são literais, e que
realmente comemos e bebemos dEle no sacramento da Eucaristia.
Maiores reflexões:
Os discípulos entenderam materialmente as palavras de Cristo
no discurso de João 6? Certamente que sim. A pergunta do Senhor a eles, se os
mesmos queriam seguir os judeus que voltaram atrás, e a resposta que recebeu,
indica, de forma velada, que os apóstolos não entenderam bem o discurso, mas
criam no Senhor Jesus. Eis a diferença entre eles e os que foram embora.
De fato, naquele instante não era possível entender o modo de
alimentar-se do Corpo e do Sangue do Senhor, visto que essa doutrina fica clara
na última ceia. A fé dos discípulos os impelia a crer nas palavras do Senhor, e
a esperar o alimento que Ele iria dar a eles.
Em outras palavras, os discípulos cumpriram os que a multidão
recusaram-se a cumprir: ter fé em Cristo. Essa explicação harmoniza-se com toda
a passagem. Pensar que os discípulos entenderam as palavras de Cristo - comer e
beber como se fosse fé - é uma introdução de pensamento estranho para resolver
esse dado não fornecido.
Os apóstolos continuaram a entender erroneamente as Palavras
do Evangelho mesmo depois da ressurreição, e não entenderiam “comer e beber” de
forma “soteriológica” ou de forma correta, como se referindo à ceia, visto que
a mesma seria ainda instituída.
Somente em Pentecostes os apóstolos e
discípulos tiveram suas mentes abertas às verdades mais profundas, e entenderam
o que Cristo lhes ensinara.
Os apóstolos permaneceram com Cristo não por terem entendido
tudo espiritualmente, mas por crerem nEle e esperarem a comida que seria dada, conforme a promessa,
e que os mesmos desconheciam: a Eucaristia, o próprio Cristo como alimento.
Outros exemplos em que Jesus falava metaforicamente e era
incompreendido pelos ouvintes certamente não desfaz o caso de João 6 ser
literal. De fato, noutros exemplos, o contexto geral explica a metáfora de
forma bastante clara. Com referência a João 6, o contexto bíblico afirma
tratar-se da Ceia do Senhor.
João 4, 32.34.
A comida de Cristo, que os apóstolos não conheciam (e que
pensaram ser física), é fazer a vontade de Deus, realizar a obra do Pai. Tudo
esclarecido. Ao mesmo tempo em que usa metáfora, a mesma é explicada pelo
Senhor: comer aqui significa fazer a vontade de Deus, realizar Sua obra.
Importante frisar que essa comida é de Cristo.
João 7,35-38.
Os que têm sede são chamados por Cristo a ir até Ele e beber.
Obviamente, esse sentido é espiritual, uma bebida do Espírito, pois no v. 38 é
referido à água abundante, a rios que jorrarão, enquanto que no v. 39 é
explicado que se trata do Espírito Santo, que será dado a todos os que crerem
em Jesus. O contexto não é eucarístico, não fala do corpo e sangue do Senhor, e
a bebida não é o Seu sangue, mas a mesma é a “água” representando o Espírito
Santo.
1) Os judeus normalmente
materializavam a linguagem de Cristo e erravam, não compreendendo-as. Fato.
2) Cristo muitas vezes
continuou usando a mesma figura de linguagem, ainda que os ouvintes
literalmente entendessem, e estivessem errados nisso. De fato, não é sempre
assim. Jesus mudava as palavras ao explicar, o que não ocorre em João 6. Em
outros lugares havia maior explicação.
O contexto do Evangelho explica a passagem, como fez com João
6. E a passagem de João 6 é única, pois determina o seguimento de Cristo ou
não, de forma direta. Jesus insiste em manter a linguagem ainda que os judeus
afirmassem deixá-lo por causa da Sua mensagem naquele momento. Esse exemplo faz
da ocasião um tanto diversa daqueles outros momentos (como a conversa com
Nicodemos, com a Samaritana e outras). Antes, Jesus normalmente explicava e
elaborava sobre o que dissera.
3) Os discípulos entenderam
João 6 espiritualmente, em termos soteriológicos. O texto não afirma isso.
Fato.
Se esse foi o caso, que explica continuarem com Cristo,
diferente dos outros judeus, indicaria a habilidade que os mesmos adquiriram de
entender o Evangelho em termos espirituais. Os fatos depõem contra isso. Por
exemplo, os apóstolos não creram imediatamente na ressurreição. Isso mostra que
permaneciam bastante literais em seu entendimento, não compreendendo que Jesus
destruiria o Templo (espiritualmente corpo) e o construiria em três dias
(ressuscitando).
Outro sinal de que não entenderam, se dá pela forma errada de
resolução da interpretação protestante: comer e beber não quer dizer crer. O
contexto de João 6 prova isso. Portanto, os apóstolos creram no Senhor, e por
isso continuaram a Seu serviço. Não sabiam ainda como seria “o comer e beber”
que Jesus havia falado.
4) Os judeus não podiam
compreender ainda o sentido de João 6 como sendo a ceia do Senhor, pois a mesma
não existia. Fato.
Por isso, a Igreja explica que a fé é necessária para estar
com Cristo, visto que tudo o que Ele diz é verdade. Basta crer e entenderá.
Gledson Meireles.