"Será
que Deus, o Eterno Criador e a Causa Primeira de tudo, também tem
uma mãe?" (...) "Deus não tem uma mãe”.
Analisemos essa conclusão aparentemente sem problemas, encontrada aqui.
Quando sabemos que Deus em cada
Pessoa da santíssima Trindade, tem sua plenitude, em sua íntima e total unidade,
a afirmação de que Maria é mãe de Jesus implica em afirmar que Maria é mãe de
Deus, porque uma vez que a Pessoa de Jesus encarnou-Se, Ele é homem e Deus ao
mesmo tempo, e Maria sendo Sua mãe humana, essa maternidade está ligada à
Pessoa divina que é única, que é a mesma, e que contem em Si as naturezas de
homem e de Deus. Em nossa verbalização comum sabemos que a maternidade está
relacionada à pessoa, não à natureza da pessoa. Maria é mãe de Deus porque
Jesus é membro da divindade única, e apenas nesse aspecto.
1º A primeira objeção de que o
conceito trinitário requer que tenhamos em mente que Deus é a totalidade das
três Pessoas da trindade, é um tanto problemática. Vejamos: “Porque, em
primeiro lugar, para ser considerada como “mãe de Deus” devemos levar em conta
o conceito trinitário de Deus. Deus não se limita apenas ao Pai, apenas ao
Filho ou apenas ao Espírito Santo, mas o Pai, o Filho e o Espírito Santo é
o único e verdadeiro Deus.”
Isso torna a questão um pouco
confusa ao tentar restringir o conceito de Deus apenas ao ser considerada a
totalidade de pessoas: somente seria Deus quando consideramos o Pai, o Filho e
o Espírito Santo. Usemos em tese essa ideia.
Assim, se dissermos, por essa
ideia, que o Pai é Deus, isso não seria correto, pois somente “é” Deus o Pai, o
Filho e o Espírito Santo. Tenhamos a exatidão desse pensamento em vista, para
entender o completo disparate que ele leva.
Afirmar que o Espírito Santo é
Deus seria errôneo, pois o Espírito Santo não seria Deus, mas somente quando
considerado ao conjunto das Pessoas do Pai e do Filho. Desse modo, nenhum dos
três seria Deus, mas apenas os três juntos. Obviamente nem o autor desse
argumento crê assim. É o argumento errôneo que cria esse disparate. Por outro
lado, se se entende que Jesus é Deus por ter participação na única essência
divina, então nesse pensamento entende-se que Maria é mãe de Jesus Deus nesse
sentido.
Continuemos, porém, e vejamos o
absurdo (e a heresia) que dá o pensamento expresso antes: o Pai não é Deus, o
Filho não é Deus e o Espírito Santo não é Deus, mas os três juntos é Deus!!!
Como pode cada parte do ser de Deus não ser de essência divina, e tornar-se
divino quando juntos os três? Diante disso, Jesus não poderia ter chamado o Pai
de Deus, pois separadamente (o que não é exato afirmar) o Pai não poderia ser
Deus. Ou, de outra forma, em sua distinção o Pai não seria Deus. Que aberração
tremenda.
Apenas para fins de reflexão,
pois pode haver algum elemento desse pensamento que não tenha sido percebido, e
por isso tenha merecido essa alcunha de disparate, absurdo e heresia. Caso seja
apresentado algo que possa desfazer tal problema, o mesmo será reconsiderado.
Se Deus não é divisível, em Sua
essência, e não tem partes, então não há como excluir a maternidade de Maria
como ligada à essência de Deus por meio da Pessoa de Jesus, ou seja, ao ser
associada à Pessoa do Verbo Divino, o Filho. Assim, é correto afirmar que Maria
é mãe somente de Jesus, mas que Ele é Deus, como foi visto acima, e por isso é
a virgem Maria a mãe de Deus nesse exato e único sentido.
Por ser assim, pensando que o Pai
é Deus, e que Maria não é mãe da Pessoa do Pai, ela não é mãe do Pai. E não
sendo mãe de Deus Pai, ela não é mãe de Deus no sentido de ser mãe da Pessoa do
Pai. O mesmo ocorre com relação à Pessoa do Espírito Santo, pois a maternidade
não toca a Pessoa do Espírito Santo. Portanto, a virgem Maria é mãe do
Deus-Homem, e o título mãe de Deus quer enfatizar somente isso. Certamente,
esse primeiro ponto da objeção está refutado.
2º O segundo argumento é que
Maria não poderia ser mãe de Jesus na eternidade, antes da encarnação, e nem
depois da ascensão, já que ela é uma criatura, e o corpo de Jesus foi
transformado na ressurreição, não tendo a mesma genética de antes: “Jesus,
em sua condição celestial, não está mais em carne (Hb.5:7), e, portanto, não
possui a genética humana, razão pela qual Maria não é mais biologicamente ligada
a Ele.”
Deve-se lembrar que a
glorificação de Jesus, de Jesus enquanto Homem, que foi igual a nós em tudo,
exceto no pecado (cf. Hb 2,17), será a mesma glorificação que todo ser humano
salvo por Ele terá. Dessa maneira, a natureza do homem será igual à de Jesus
Cristo, a mesma que Ele possui agora e para toda a eternidade no céu. Assim, a
virgem Maria já glorificada continua, mesmo sob esse ponto de vista, continua
sendo mãe de Jesus, já que o fato da geração da humanidade de Cristo que
ocorreu na terra é irrevogável. Ele continua no céu Deus e Homem, pois é como
Homem que Ele é Intercessor. (cf. 1 Tm 2,5)
De outro prisma pode-se notar que
a objeção falha em querer colocar a maternidade de Maria em relação a Jesus em
xeque quando afirma que ela não existia antes de ser concebida, e assim não
poderia ser mãe de Jesus na eternidade. Quanto ao último ponto, trata-se do
mais puro fato, e justamente por isso a Bíblia ensina que a virgem Maria
tornou-se mãe de Jesus a partir da encarnação, em João 1,14, quando o Verbo SE
fez carne e habitou entre nós. O mesmo verbo tornou-Se carne e veio morar na
terra. Assim, Maria é mãe do Verbo divino que veio habitar conosco. Tendo isso
em vista, é a partir do nascimento de Jesus na terra que Maria passa a ser Sua
mãe, por meio da natureza humana, e somente por isso relaciona-se com a
natureza divina por ser mãe da mesma Pessoa que é divina e humana. A natureza
humana de Jesus é como uma forma de ligação entre Maria e Sua Pessoa, e essa
Pessoa é Deus por ter parte na divindade com o Pai e o Filho.
Mesmo que o Protestantismo negue
que Maria tenha sido já glorificada nos céus, isso está no dogma cristão, e os
protestantes devem concordar que tal fato é esperado para o fim dos tempos,
quando Cristo vier buscar a Igreja. Por isso, não há como fugir da implicação,
já que na glorificação Maria será (supondo que não já tivesse sido), “biologicamente”
igual a Cristo e, portanto, o fato da sua maternidade continuará presente, como
de fato continua.
3º A terceira objeção tenta
jogar o absurdo na doutrina da encarnação, de que Jesus é Deus e Homem. Sendo
assim, seria “absurdo” que Deus tivesse avô, avó, tio, tia, primo, prima,
irmão, irmã, parentes consanguíneos, em sua acepção literal, biológica e
genética. De fato, se fosse esse o ensino da trindade, e da divindade de Jesus,
que dissesse que a maternidade de Maria é ligada à divindade geneticamente,
isso redundaria nesse problema, mas não é. A maternidade está ligada à
divindade por meio da natureza humana, onde Maria é mãe biológica do Homem
Jesus, que não é outra Pessoa, mas o mesmo Deus Jesus. É unicamente nesse
sentido que a maternidade toca a Pessoa de Jesus, e o problema não tem mais
razão de existir.
Dessa forma, o pai e a mãe de
Maria são avós de Jesus, avós de Deus nesse
único e restrito sentido. É necessário o conceito correto de pessoa e natureza
para entender isso. Nesse pensamento, o celestial e o terreno estão sendo
devidamente levados em conta, e nada há que os confunda.
4º A quarta objeção é uma das
mais perigosas, quando se prevê que pode redundar em heresia: “Levando-se
em consideração que só se é mãe daquilo que gera, devemos perguntar:
Maria gerou a divindade de Cristo?”. Definitivamente não. Para quem já
compreendeu a doutrina acima, apresentada na refutação às três primeiras
objeções, já tem a ideia de que Maria somente gerou a Pessoa de Jesus enquanto
em Sua natureza humana. Sendo a mesma Pessoa, essa adquiriu humanidade,
adquiriu uma mãe, e por isso pode agora ser chamado Homem. Sendo que a
divindade é eterna, e não pode ser gerada pela humanidade, que é criatura, e
assim Maria não pode ser mãe da divindade, pois existiu a partir do tempo, e
não na eternidade, ela é mãe de Jesus por intermédio da natureza que ela gerou
para Ele, que foi gerada nEle, não sendo mãe da natureza dEle, mas mãe dEle por
meio da natureza humana. O conceito de mãe liga-se à pessoa e não ao corpo da pessoa,
como comumente entendemos.
Dividir Jesus em duas pessoas
tornaria impossível a encarnação, já que Jesus o eterno Filho de Deus não teria
vindo em carne jamais, mas apenas havia criado um Jesus humano que nasceu da
virgem Maria. Assim, Maria seria mãe de um Jesus humano, que na melhor das
hipóteses faria as vezes do Jesus divino que nunca tocou a natureza do homem em
Si mesmo. Esse Jesus humano seria outro Jesus.
Na hipótese de que Jesus somente
passou a existir na encarnação, deve-se provar isso por meio de outro livro,
não da Bíblia, pois essa afirma que: No princípio (princípio da criação do
mundo, e não da pregação do Evangelho) o VERBO “estava” com Deus (pois Jesus
não estava no céu com Deus no início do Seu ministério na terra, pois já tinha
30 anos de idade. Ele estava com Deus no início da criação do universo), e o
Verbo era Deus. Ele estava com Deus e tudo o que foi feito o foi através dEle
(o assunto é a criação), portanto, falando da criação, e sem Ele nada do que
existe no universo foi feito. (cf. João 1,1.14) Se Ele estava “com” Deus ele
existia junto do Pai, era Deus com o Pai, e não era o Pai. Assim, são descritas
duas pessoas, e tem-se a pré-existência de Jesus.
Então, quando o Verbo se fez
carne e habitou entre nós está referindo-se ao nascimento desse mesmo verbo que
estava com Deus e criou tudo, sendo o meio para a existência de tudo o que foi
criado. A Bíblia está mostrando a transferência de Jesus do céu à terra, da
glória celeste para o ventre da virgem. Portanto, Ele não é o Pai, Ele existia
antes de vir à terra, e Ele é o mesmo que esteve na terra, não outro que foi
criado para viver como se fosse Ele na terra. Tem-se por isso uma só Pessoa, que
é Divina, que adquiriu em Si a natureza humana para habitar na terra. Maria é
mãe de Jesus nesse momento, a partir desse fato.
5º Não há sincretismo com o
paganismo. E a doutrina que foi definida em Éfeso é cristológica, embora tenha
seus desdobramentos fortemente mariológicos.
6º Confundir o título mãe de
Deus como significando que Deus tem as mesmas características humanas na
eternidade, como se o Pai e o Espírito Santo tivesse adquirido as mesmas características
do homem, e que Cristo continue com a natureza sem a transformação, igual à que
tinha antes da entrada no céu, significa que não há entendimento da doutrina. É
lastimável. Sendo assim, a objeção não tem muita importância.
7º Quanto ao argumento “então Deus morreu na cruz”, isso diz respeito ao
que acima está exposto: em um certo sentido Deus morreu mesmo, mas não Ele em
Si na Sua natureza divina eterna e imortal, mas na Pessoa do Filho como Homem. Cristo
disse que quem o viu também viu o Pai, e São Paulo afirma que a plenitude da
divindade habita em Cristo, (cf. Jo 14,9; Cl 2,9) embora tudo isso esteja ligado só
à Pessoa do Filho. É possível entender isso satisfatoriamente. Deus não morre,
Jesus em Sua divindade não morre, mas Sua Pessoa morreu enquanto esteve na
natureza do Homem. Não tem a ver com a Pessoa do Pai e do Espírito, mas com a
do Filho que compartilha a mesma natureza. Então, Maria é mãe de Jesus Deus,
mas em Sua acepção humana.
8º Com referência a Hebreus 7,3,
onde Deus não princípio nem fim, então Maria não poderia ser Sua mãe, essa
questão já foi resolvida acima. Deus não teve princípio no nascimento de Jesus,
nem mesmo a Pessoa divina de Jesus originou-Se ali, mas apenas a Pessoa em sua
concretude humana, com tudo o que o homem tem em sua forma totalmente natural.
Não foi outra pessoa que surgiu, mas a mesma Pessoa de Jesus nasceu como Homem.
A Pessoa de Jesus sentiu por inteiro o que é ser um Homem, uma criatura, embora
Ele fosse o Criador. Dizem que “Mãe de Deus é uma terminologia errada”,
mas o mesmo acontece com a frase: “Maria não é mãe de Deus, ela é mãe de
Jesus”, se não houver nenhuma qualificação. A primeira poderia levar a um
disparate, como foi colocado antes, e a segunda também. Essa nega a divindade
de Cristo, ou parece negá-la, ou de fato pode facilmente levar a negá-la.
Enfim, é nesse âmbito refutada essa objeção.
9º Para o entendimento de
Filipenses 2,7 devemos testar racionalmente seus resultados: Como Deus deixa de
ser Deus? Em sua natureza é impossível, pois Deus é imutável. Se Cristo deixou
de ser Deus é porque não era Deus antes, e se não era Deus não podia deixar de
ser o que nunca foi. O pensamento é auto-destrutivo.
Pode-se afirmar que, para fins de
argumento, deixando de lado toda a exatidão teológica católica no momento, e
dizer que Jesus deixou suas prerrogativas, privilégios, poderes, direitos,
autoridade, e passou a ser um simples servo. O problema é que em Sua natureza
DIVINA Ele continua a ser o que era. É como afirmar que Jesus Deus passou a
viver a vida de criatura, apesar de ser o Criador, mas o fez quando assumiu a
natureza do homem, pois antes de Sua Pessoa divina ter a natureza humana nada
disso havia ocorrido. Portanto, Jesus passou a ser carne, ou seja, a ter
natureza de homem, mas não deixou de ser Deus. Ele continuou a ser Deus e
passou também a ser Homem.
Mas, é importante frisar que,
tendo a natureza divina imutável e possuir todo o poder, então Jesus não quis
trazer para a terra certas prerrogativas que não tinham a ver com o Seu plano,
por exemplo, como revelar o dia da Sua volta. Quanto ao fato de que Jesus não
pôde realizar milagres por causa da incredulidade de certo povo, não quer dizer
isso que Ele não tinha mais a onipotência, mas isso se dá porque seus milagres
não tinham o caráter de criar a fé, mas agia sobre o fundamento da fé,
fortalecendo, dando testemunho, confirmando Seu plano messiânico. Ele não quis
realizar milagres. Não veio para fazer isso naquelas circunstâncias. Em várias
passagens da Escritura a afirmação “não poder” equivale a “não querer”.
A tentação de Cristo também não
depõe contra Sua divindade, mas apenas diz respeito à Sua natureza humana. Ele
pôde ser tentado porque adquiriu para Si tudo o que é próprio do homem, o que
exclui totalmente o pecado. O Demônio podia então tentá-lo. (cf. Hb 2,17)
10º E, por fim, o título mãe de
Deus não é expressamente encontrado na Bíblia, mas apenas o de “mãe do meu
Senhor” (Lc 1,43). É que não havia necessidade de ressaltar algo já bastante
óbvio naquele momento, como a divindade de Jesus, o Deus conosco, o Senhor de
Lucas 1,43. E com os tempos de controvérsias esse dogma foi sendo atacado em
Sua verdade, devendo a Igreja explicitar a doutrina bíblica, já expressa por
exemplo na afirmação “mãe do meu Senhor”, no sentido em que Isabel usa o termo,
pois ali ela não está falando de um patrão, nem de um dono de propriedade, nem
de um dono de casa, nem do seu marido, nem do seu pai, nem das autoridades
romanas, nem dos donos de escravos, nem do imperador romano. Essas são os
outros uso do termo kurios (senhor) em outros sentidos, como informa o artigo que
pode ser lido aqui.
Santa Isabel estava falando de
Deus Filho, aquele que iria nascer, que já estava concebido no ventre da virgem
Maria, e isso foi uma revelação do Espírito Santo. Portanto, o termo SENHOR
naquela frase tem o sentido de Deus. Observe as explicações acima. Em outras
palavras, não é o fato do título senhor ter outros significados que invalida a
afirmação feita no louvor de santa Isabel.
Afirmar que Jesus é Deus é
necessário, e por isso o título de mãe de Deus era apropriado para salvaguardar
essa verdade. E ainda é. Não há que apelar para a cautela dos apóstolos e dos
primeiros escritores, pois nem tudo foi expresso com a mesma terminologia como temos
hoje, pois o que importa é o fato real, e a real doutrina que está ali presente,
e que pode necessitar de novas expressões segundo as exigências que surgirem.
É assim imperioso concluir que
Deus não tem mãe, em sentido pleno, lógico e natural. Mas, pelo que foi tratado, da encarnação de Jesus nosso Senhor, tem mãe na Pessoa de Jesus
Homem. Certo disso, então, Deus tem mãe.
Gledson Meireles.