sábado, 13 de dezembro de 2025

Para melhor entender adoração e veneração

Vamos começar com o Catecismo da Igreja Católica para debater o tema.

Citando o Diálogo com Trifão, de São Justino, temos que “Não pomos as nossas esperanças em algum outro – pois outro não existe – mas no mesmo que vós, o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó”. O mesmo podemos hoje afirmar, que o nosso Senhor, de Abraão, de Isaque, de Jacó, de São Pedro, de São Paulo, de Santo Agostinho, de Santo Antônio, e etc., é Aquele em que pomos nossas esperanças.

Aqui temos a veneração aos santos de Deus e a adoração a Deus. E o Catecismo (n. 2096) afirma que adorar a Deus é, em resumo aqui, reconhecê-Lo como Deus, Criador, Salvador, Senhor, Mestre.

Qual a diferença prática funcional de latria para hiperdulia? Honra e veneração a Maria e a Deus? Há intercessão, concessão de louvor, honra, graça, oração, aceitação no coração, prostração, tratamento de instrumento de redenção. Qual a diferença? Segundo o pastor, não existe diferença.

A resposta ortodoxa e católica de que a adoração envolve sacrifício não é aceita pelo pastor. Vejamos se o pastor de fato refuta a resposta católica.

O que é idolatria, dulia, hiperdulia, adoração? O pastor trata de diferença FUNCIONAL. Esse é o tema. Para ele, não há diferença e isso é o importante.

Latria: sacrifícios a Deus. Idolatria, sacrifícios a ídolos.

O ponto fundamental que o pastor quer provar é que na Bíblia inteira não haveria a relação exclusiva entre adoração e sacrifício, mas a adoração está atrelada também a vários outros elementos que são comuns na veneração católico-romana.

Adoração no sentido interior. Isso é prioritário. E antes de tudo uma subserviência interior. Percebe-se aqui que o pastor aqui usa até a linguagem e teologia católica para ensinar essa verdade: a adoração é uma disposição do coração. Não é comum um pastor usar essa linguagem ao falar de adoração, como vemos entre os padres. Portanto, o pastor Yago aprendeu bem esse ponto. Ele cita Ezequiel 14.

Como a adoração é dependente de sacrifícios, se ela é interna? Nesse ponto o pastor erra. Ele não entende a doutrina católica em geral, e desliza em mais um ponto fundamental. Para o catolicismo a adoração é antes de tudo uma disposição do coração, a adoração em espírito. A adoração não depende do sacrifício para existir, mas funciona atrelada ao verdadeiro sacrifício. Assim, não há novidade alguma para a fé católica essa resposta do pastor relativa a essa questão específica.

Depois o pastor oferece um exemplo de adoração, que é erguer interiormente algo ou alguém mais alto do que deveria. Certamente ele pode estar pensando que o católico ergue Maria dentro do seu coração mais alto do que deveria, de forma exagerada, tornando-a mais alta que Deus, ou em pé de igualdade com Deus, constituindo idolatria. Isso não existe e ninguém poderia em sã consciência afirmar que os cristãos católicos fazem isso em seus corações.

Mais adiante, o apologista mostra exemplo de dulia aplicado a dinheiro, como está em Mateus 6. O que ele quer provar com isso? Que a veneração também está atrelada ao conceito de adoração, e isso poderia refutar a fé católica, pois o termo fala de idolatria interior. Os demais exemplos são todos usados na fé cristã católica para mostrar que a adoração é fundamentalmente interior, e não depende de nada exterior. Portanto, o pastor está dando uma aula de catequese católica sem perceber.

O desejo exagerado e desordenado é a explicação pelo pastor como idolatria. É importante notar novamente a linguagem católica que o pastor usa para ensinar essa doutrina. É algo que parece mostrar as boas influências da fé católica que o pastor tem em seus estudos.

Na parte II o pastor aprofunda a questão. A adoração envolve sacrifícios mas não está restrita a isso. A expressão corporal, a ida ao templo e até uma festa podem ser adoração.

Depois, afirma que quando o referente muda o entendimento do ato muda. Isso é magnífico. É totalmente o que a doutrina católica ensina, e que normalmente os pastores protestantes, e mesmo apologistas, não costumam perceber.

O ponto básico parece ser o seguinte: não é necessário um sacrifício para haver adoração, mas basta a prostração. A prostração de um servo diante do senhor humano é um reconhecimento de autoridade, mas diante de Deus, por exemplo, já é adoração. Ponto positivo, pois é justamente o entendimento católico sobre o fato.

Aqui mostra-se que na prática a adoração e a veneração podem ser iguais, mas há uma diferença no sentido interior do ato, que é uma diferença invisível. É a doutrina católica.

E como as palavras adoração, prostração, serviço, são usadas na Bíblia? A idolatria e a adoração se expressavam de modo muito mais amplo. Assim, a atitude de adoração não depende da oferta de sacrifício: pode ser prostração, o ato de curvar-se, beijo. O beijo pode ser expressão de adoração. O pastor está tentando provar que o ato em si não depende da existência de sacrifícios, de uma liturgia sacrificial, para serem adoração, mas sim de uma disposição interior. Isso está correto. E qual a novidade aqui? O pastor entendeu bem o que é adoração, e soube diferenciar o que se passa no interior e do que é feito exteriormente, de modo que pode haver o mesmo ato, como prostrar-se, com diferentes sentidos.

Seu objetivo foi mostrar que o sacrifício não é necessário para haver adoração, mas ele refuta muito do entendimento protestante que diz que a própria prostração, por exemplo, em contexto religioso e espiritual, seria adoração. Ou seja, um ato externo em relação a uma imagem seria adoração pelo próprio ato, sem consideração ao que se passa no espírito do fiel. Isso já está claro, e até aqui o pastor não apresentou nenhuma dificuldade para a fé católica.

Um observador que olhasse um israelita prostrado diante de Deus notaria a semelhança com um adorador de outro deus, “mas havia uma notável diferença”, afirma o pastor. Então ele está pronto para entender que para um cristão católico ajoelhar-se diante de uma imagem pode não ser adoração, mesmo que o ato seja semelhante.

Ele diz que o israelita não se prostrava diante de imagens, o que era proibido pela lei, ainda que existissem imagens na religião dos judeus, como os querubins e etc. Então, aparece o outro erro do pastor. Ele afirma que se o objeto ligado ao culto passa a ser tratado como objeto de veneração, há condenação de idolatria, citando o caso da serpente de bronze em 2 Rs 18. Isso já está explicado em artigo neste blog, para quem tiver interesse em estudar.

A existência de imagens é uma coisa, prestar às imagens honra religiosa, é outra coisa, afirma o pastor.

Aqui ele parte para outra questão: antes já entendeu que o culto de adoração é acima de tudo interno, e transparece nos atos. Se alguém prostra-se diante de um superior humano, seria honra, se a prostração é diante de Deus, seria adoração. Mas, nesse ponto específico o pastor ainda não entende que há imagens que podem ser cultuadas com gestos de veneração. É um obstáculo que o pastor Yago ainda possui no entendimento do tema:

Atos iguais podem ter sentidos diferentes segundo a disposição interior.

Imagens religiosas podem existir no culto a Deus, como aquelas no templo no Antigo Testamento.

Agora, a ideia de que as mesmas podiam ser honradas com atos externos, com a disposição correta de honra a objetos rituais, isso não pode ser negado.

Para quem deseja estudar, há muitos artigos no blog sobre o tema. Em resumo, vemos que na Bíblia quando se diz que o adorador prostrou-se diante de Deus para adorar, ele está prostrado diante da arca, que é um objeto. Portanto, está refutado o que o pastor afirmou sobre o caso específico das imagens. O restante o pastor está correto e em conformidade com a doutrina católica.

A adoração se manifesta de várias formas, uma delas é o sacrífico. Muito bem, mas a fé católica ensina isso. Continuemos.

O ministério do sacerdócio levita se estendia em ajudar ao povo, por exemplo. O serviço ao povo é uma forma de adoração a Deus. Ou seja, o pastor mais uma vez, sem perceber, concorda com a fé católica de que o serviço a outro redunda em adoração a Deus. Assim, a veneração a Maria, por ser a mãe de Jesus, é em última instância adoração a Deus.

A citação de David Peterson ajuda a entender melhor o que a explicação do pastor tem em conformidade com a doutrina católica.

1º é a atitude do coração que realmente importa.

2º adoração como expressão de reverência ou grata submissão.

 

A interpretação do autor sobre o tabernáculo, a arca e o templo:

O ritual associado a essas instituições servia para reconhecer o poder e a presença de Deus.

Aqui podemos lembrar que os gestos ligados ao tabernáculo, à arca e ao templo, que eram materiais, eram imagens, servem para adorar a Deus, que é invisível. É uma forma de utilizar o que o pastor está afirmando, partindo da citação que faz, e estabelecer esse ponto de contato com a fé católica.

Na parte III que trata sobre o que adoração no Novo Testamento sem a presença de sacrifício. O caso de Cornélio em Atos 10, 26.

A prostração diante do anjo no Apocalipse foi vista como adoração. Mas e o que foi dito e explicado acima: a prostração pode ser sinal de uma disposição interior diferente e não ser adoração. Assim, está estabelecido que o ato de prostrar-se pode ser adoração ou veneração (honra).

Segundo, as imagens sagradas no templo, por exemplo, podem ser tratadas com rituais associados a elas, mas que servem para o culto de Deus. Outro conceito legítimo.

Caso se argumente que o ato de prostrar-se diante do anjo é adoração, então a afirmação contradiz tudo o que foi dito anteriormente. O ato em si não pode provar nada.

Adoração como sacrifício de louvor. Correto.

Nada que possa contradizer a fé católica.

Ao final, o pastor usa o exemplo de cantar para a esposa, no contexto conjugal, e introduz linguagem de culto, usando palavras que são relacionadas a Deus para uma criatura, o que já seria idolatria.

O problema é que de fato não se devem confundir os contextos. Também deve-se ver que na antiguidade, desde o Antigo Testamento, a linguagem utilizada pelo povo fiel para expressar honra, reverência no sentido cultural e adoração espiritual é muitas vezes a mesma, pois a linguagem também é uma forma externa do culto interior, o que pode mudar segundo a disposição do coração, o que refuta o pastor totalmente. Assim, um elogio profundo a alguém e um louvor a Deus com palavras semelhantes não significa idolatria, pois o fiel sabe o significado do seu ato em seu coração.

1º Há adoração sem sacrifício real, como diz o pastor.

2º Se os louvores, ofertas e serviços aos santos forem adoração e não veneração, então o pastor contradiz tudo o que explicou acima, pois as palavras estariam sendo maiores que a disposição interior. Portanto, não faz sentido. Há um lugar para a honra aos santos servos de Deus, e um lugar à adoração a Deus, que são totalmente diferentes.

3º Não há um culto de veneração separado como se fosse semelhante ao de adoração, mas todos os cultos ou atos de veneração feitos aos santos estão no contexto do culto único de adoração dado a Deus.

Parece que o pastor continua com a mesma ideia  errônea de que os atos de veneração e adoração são iguais, e que a "prática" é que seria a prova, e portanto são a mesma coisa, contradizendo o que disse em todo o vídeo, como analisado acima, ou seja, de que a disposição do coração é que faz a verdadeira adoração. Se a abstração, a doutrina, a disposição interna valem, são elas que dão sentido à prática. Se é a prática, então tudo o que o pastor disse não está valendo. Onde está então a refutação à doutrina católica? Não existe.

Os erros de interpretação mostrados ao longo do artigo levaram a essa conclusão errada do apologista protestante.

Para quem quiser aprofundar-se no tema, leia mais artigo no blog sobre adoração e veneração.

Gledson Meireles.