quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma: refutando o argumento do contraste entre Jesus e os levitas


Refutação: O contraste entre Jesus e os levitas

 

O argumento mortalista tira de Hb 7, 8 um argumento que seria incompatível com a imortalidade da alma, já que estaria contrastando radicalmente vida e morte, de modo a levar a pensar que vida é existência e morte a inexistência. Mas, vamos mostrar que esse argumento não é o que está em todo o contexto. O argumento mortalista contém erro teológico.

Jesus pode ser sacerdote para sempre porque ressuscitou. É simples. Não há a implicação de que as almas dos levitas não podiam oficiar no céu, ou no sheol, porque o que está em questão é a vida em contraste com a morte. Jesus está vivo. Os levitas, mesmo estando hoje no céu, estão mortos, e por isso se diz que suas almas estão no céu, e não que eles em pessoa estejam no céu.

Ainda, é preciso saber que o sacerdócio levita é diferente do sacerdócio de Cristo. O primeiro era figura, um tipo, e era terrestre por isso, de forma que em si a antiga lei foi abolidade, e era ineficaz e não levou à perfeição (Hb 7, 18-19), e por isso foi substituída por outra aliança superior (Hb 7, 22). Então, os levitas só podem oficiar na terra, enquanto Cristo só oficia no céu.

Por isso, o verso 23 introduz a segunda parte do argumento: “Além disso”, e prossegue dizendo que os levitas não podiam ser sacerdotes sempre porque morriam, enquanto Cristo vive para sempre.

Há em Hebreus dois argumentos: o primerio é que o sacerdócio levítico é inferior (cf. Hb 7, 11), e o segundo é que os sacerdotes levitas são mortais (cf. Hb 7, 23). Em resumo, pode-se dizer que ainda que os levitas não morressem, seu sacerdócio não poderia continuar. E até o final da refutação o leitor irá perceber melhor o porquê disso, e identificar mais precisamente o erro do argumento mortalista.

E o motivo é que o sacerdócio dos levitas simbolizava o sacerdócio de Jesus Cristo. Dessa forma, os levitas, ainda que estejam vivos no céu em espírito, não podem ser sacerdotes, porque morreram e porque seu sacerdócio foi apenas figura do verdadeiro sacerdócio de Cristo, e só podia ser feito na terra.

Desse modo, ainda que ressuscitados, como o sacerdócio levita foi levado à realização em Cristo, eles não oferecem dons e sacrifícios pela salvação do mundo. Entendendo esse fato, o constraste feito entre Cristo e os levitas não pode em nada implicar coisa alguma contra a imortalidade da alma.

Dito doutro modo, a morte impede o sacerdócio contínuo dos levitas porque esse ofício é feito na terra, era de natureza imperfeita e provisória, e não porque a morte põe fim à existência. O argumento da morte é a parte dois, e significa realmente que o sacerdócio levítico é inferior porque seus sacerdotes são mortais, não continuam a vida na terra, único lugar onde esse sacerdócio é ministrado. Aqui já fica refutado o argumento mortlaista, mas é bom continuar e liquidar de forma a não deixar dúvida.

Talvez o texto de Hebreus 8, 4 sirva para refutar bem essa implicação que o mortalismo tentou tirar do contraste entre Jesus e os levitas. O texto diz o seguinte: “Por conseguinte, se ele estivesse na terra, nem mesmo sacerdote seria, porque já existem aqui sacerdotes que têm a missão de oferecer os dons prescritos pela Lei”.

O autor mortalista usou a lógica do contraste acima referido para formular um argumento contra a imortalidade da alma, como se a doutrina não pudesse ser harmonizada com o que foi contrastado, ou seja, como se o fato dos levitas possuírem alma imortal e estarem no céu fosse incompatível com o contraste feito. É um bom argumento, no processo de defesa do seu sistema, como tentativa, e serve para fazer com que tenhamos mais cuidado ao ler o texto bíblico. Mas esse argumento não atinge a doutrina da alma imortal, como mostrado acima, constituindo argumento frágil.

Portanto, faz todo sentido dizer que Jesus está vivo, e que Seu sacerdócio é feito no céu, de modo perfeito e único, realizando o que a figura do sacerdócio terrestre constituía. Assim, a Bíblia afirma que Jesus não seria sacerdote se estivesse na terra.

E o que a lógica do argumento mortalista está afirmando é que os dois sacerdócios são idênticos, pois diz:

 

 Se os sacerdotes levitas estivessem neste momento vivos no céu, o autor de Hebreus teria cometido uma gafe ao fazer um contraste dessa natureza, já que tanto um como o outro estariam vivos para continuar seu ofício no outro mundo.”.

 

De fato, não há gafe nenhuma, pois os levitas estão vivos em espírito no céu e não podem continuar seu ofício no outro mundo: primeiro, porque seu ofício terminou em Cristo, pois Cristo é o fim da Lei e do sacerdócio antigo. Segundo, porque estão mortos, e seu oficío era apenas para ser feito na terra.

Disso se pode dizer que o argumento mortalista não procede, porque não é tirado do verdadeiro contraste que é feito entre o sacerdócio levítico e o de Cristo, e porque ele cria um erro, fazendo com que o sacerdócio levita seja antítipo e não o tipo. Seria o mesmo que dizer que os levitas morrem, e Cirsto, estando vivo, continua o ofício levítico, o que é um erro, pois o sacerdócio de Cristo é segundo a ordem de Melquisedeque, diferente do levítico, que serviu apenas de símbolo. Por isso, o argumento é totalmente falho.

Gledson Meireles.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Livro: A lenda da imortalidade da alma: refutação da interpretação mortalista de Apocalipse 20:10 e o significado do “lago de fogo”

 

Tradicionalmente o “lago de fogo” é interpretado como o inferno, onde há um fogo espiritual e literal, ou seja, existe mesmo, onde sofrem as almas e depois os réprobos ressuscitados. O fogo é espiritual, já que é a punição pelo pecado, e literal, já que atinge as almas e corpos ressuscitados não glorificados.

A interpretação mortalista expressa no livro é muito curiosa. Como o lago de fogo é a segunda morte, então a doutrina aniquilacionista ensina que o castigo anterior à segunda morte não é o lago de fogo. Muito curioso.

Essa noção é, ao que parece, bastante nova, pois cria uma punição temporária por causa do pecado antes da entrada no lago de fogo e enxofre, conceito que não se encontra em nenhum versículo bíblico. Essa é a primeira refutação.

O autor afirma que Ap 20, 14 explica Ap 20, 10, apenas dizendo que o “tormeno eterno”, que é realizado no lago de fogo, é somente a “segunda morte”, no sentido de destruição e inexistência. O tormento é a inexistência. Isso já pode ser considerado parte da primeria refutação. De fato, não faz muito sentido o tormento simbolizar a inexistência.

Mas, é interessante que o autor admitiu que nesse verso é mostrado o “tormento eterno dos ímpios”, embora interprete esse “tormento” como a inexistência, como visto, é óbvio, permanecendo o fato de que a linguagem bíblica expressa claramente o tormento eterno. O restante é uma interpretação, e vamos ver se ela é válida. Pelo primeiro sinal de incoerência, parece que não. De fato, a Bíblia não ensina que os ímpios sofreram proporcionalmente e depois serão destruídos.

Assim, o conceito tradicional de segunda morte é que essa punição eterna vem após a punição temporal da morte física. É uma segunda punição. Ou seja, hjá duas punições para o pecado, a morte e o inferno. A primeria é a morte física, onde todos, salvos e não salvos passam. A segunda é o inferno, onde somente os réprobos sofrem.

Como a morte é o salário do pecado, tanto a primeira como a segunda são punições. Mas, a segunda é irreversível, pois os mortos ficam presos nas suas cadeias longe de Deus eternamente. A primeira foi uma prisão temporária, a segunda é eterna, pode-se dizer.

Dessa forma, não é a doutrina aniquilacionista que possui uma interpetação plausível com mais sentido. Assim, pode-se pensar que todos passam pela primeira morte, porque todos pecaram, mas somente os que rejeitarem a salvação é que sofrerão a segunda punição, a segunda morte, por rejeitarem o perdão de Deus.

A morte não é inexstiência. Os ímpios sofrerão no final “no” lago de fogo, e não antes de entrarem no lago de fogo, como fica na interpretação que o livro mortalista apresenta.

Desse modo, é preciso notar que há um lugar de punição, o tanque de fogo e enxofre, para os que serão condenados após o juízo.

O argumento de que a segunda morte poderia ser a “separação da alma e do corpo” é muito bom, é franco, usando a linguagem que o autor mortalista empregou para se referir a um argumento imortalista. Faz sentido perguntar. Mas ele parte do pressuposto que o termo “morte” no versículo está sendo usado no sentido literal, explicando uma figura de linguagem, e que esse sentido é o mesmo que inexistência.

Diante disso, pode-se responder que a linguagem do Apocalipse é simbólica, e por isso a explicação da segunda morte é necessária, e se trata de ela ser “o lago de fogo”. O autor discorda dessa interpretação, e afirma o contrário, ou melhor, afirma que o lago de fogo é que é usado como símbolo da segunda morte. Essa explicação é curiosa, e vamos testá-la. O símbolo é a segunda morte ou o lago de fogo? Certamente, o lago de fogo, e possivelmente, ambos.

Também, ninguém pensa que os mortos são julgados, condenados e morrem novamente, mas julgados, condenados e lançados no lago de fogo e enxofre. Esse lago é chamado de segunda morte.

Assim, o que faz pensar que a segunda morte é diferente da primeira é essa linguagem apocalíptica que usa o termo morte em um conceito de “castigo”, como se falasse do segundo castigo.

Eis que outro argumento aniquilacionista, muito bom por sinal, entra em jogo. São João explica que o lago de fogo é a segunda morte por se tratar de algo simbólico, não sendo o próprio significado o conceito. Formidável.

Assim explica o livro mortalista: “Note ainda que João não diz que a segunda morte é o lago de fogo, como interpretam os imortalistas, mas precisamente o contrário: que o lago de fogo é a segunda morte.” Não. O original afirma que a segunda morte é o lago de fogo.

É justamente por isso que tradicionalmente o lago de fogo é o inferno, um lugar espiritual, que não é literalmente um “lago” comparado a um lago de água, como que mudando apenas seu conteúdo para as chamas de fogo, mas que esse “lago” simboliza o suplício eterno. Está vendo, o lago também pode ser um símbolo.

Tudo está no campo das figuras de linguagem apocalípticas. Assim, todos concordamos que o lago tipifica outra coisa, e essa coisa não é a “inexistência”, mas um castigo eterno para os réprobos ressuscitados e conscientes, um lugar espiritual de suplício. É pacífico que o castigo no lago de fogo é eterno, ou melhor, tem duração eterna, seja ele qual for.

De outra forma, estaria o autor apenas literalizando o termo “morte”, e quando se diz que a segunda morte é o lago de fogo, estaria apenas mostrando que a primeira morte é idêntica à segunda, como entendem os mortalistas, o que já está refutado, pois essa morte não é inexistência, e nem que a primeira e a segunda “morte” são os mesmos fatos em natureza. Pelo contrário, o contexto indica que são os dois castigos pelo pecado, e são diferentes.

Se é assim, se a segunda morte é apenas inexistência, e traz o sentido somente disso, vamos interpretar o texto e ver se o conceito encaixa-se perfeitamente.  Se a alegoria do fogo é usada apenas para representar outra morte física, isso deverá fazer sentido no contexto.

Se a morte é um “sono”, com a diferença que a primeria há despertar e a segunda não, então a morte seria algo que ninguém saberia o que é, já que não se tem consciência quando não existe. E a explicação do Targum é bastante importante, mas não é maior que aquilo que a texto bíblico explicita.

No verso 10 o Demônio é lançado no lago de fogo e enxofre, que na interpretação mortalista signficia o fim, a inexistência. Então o Demônio deixou de existir. E o texto afirma que lá estavam a Fera e o falso profeta, ou seja, interpretado como se não existissem mais. Seria o “lá na inexistência”, onde já estavam esses seres citados.

Mas o Apocalipse afirma que eles estavam sendo “atormentados, dia e noite”. E a outra questão é que o Demônio é lançado no lago após sua derrota, sem dizer o mínimo sobre um castigo “antes” de ser lançado ali. A punição se identifica com o lago de fogo, e não com outra coisa. Isso mostra que essa inovação interpretativa não deu certo. Não existe castigo proporcional antes do lago de fogo. Parece que está refutado o argumento aniquilacionista.

Na interpretação mortalista, fundamentada no argumento do Dr. Bacchiocchi, “a segunda morte é o lago de fogo”. Assim, o autor do livro explica que o símbolo é interpretado em Ap 20, 10.14 como é feito em Ap 1, 20, onde as estrelas são os anjos e os candelabros são as igrejas.

O texto grego assim diz em Apocalipse 1, 20: “As sete estrelas os anjos das sete igrejas são, e os candelabros sete, (as) sete igrejas são”, e formos traduzir literalmente.

Aqui temos duas refutações: a primeira, é que o grego explica o simbolismo usando a estrutura “estrelas são anjos e candelabros são igrejas”. Segundo, os anjos podem também ser um símbolo, pois possivelmente se referem aos bispos das igrejas e não aos anjos literais, pois seria estranho o apóstolo João escrever cartas a anjos literais.

Dessa forma, quando o autor do livro mortalista afirma: Note ainda que João não diz que a segunda morte é o lago de fogo, como interpretam os imortalistas, mas precisamente o contrário: que o lago de fogo é a segunda morte.”, ele não consultou o texto grego, mas usou o argumento do Dr. Bacchiochi.

E o texto grego assim afirma: “οὗτος (este) ὁ (a) θάνατος (morte) ὁ (a) δεύτερός (segunda) ἐστιν, (é) ἡ (o) λίμνη (lago) τοῦ (de) πυρός (fogo).

Ou seja, o contrário do que o autor do livro mortalista afirmou, pois ele seguiu uma tradução em português. Em grego literal está assim: “Esta a morte segunda é o lago de fogo”. O Apocalipse está explicando a segunda morte como símbolo, e o lago de fogo como o conceito.

A tradução da King James e da Almeida Corrigida e Fiel fizeram o contrário, o que corrobora a interpretação do livro, mas que não é o que está no original grego.

A versão da Ave Maria assim traduz: “A segunda morte é esta: o tanque de fogo”. Em outras palavras, o tanque de fogo é o conceito de segunda morte, para usar o raciocínio do autor mortlaista, ao mesmo tempo que refutando sua interpretação.

 

Desse modo, temos:

 

Ap 1, 20

As sete estrelas são os anjos

Ap 1, 20

Os sete candelabros, as sete igrejas

Ap 20, 14

A segunda morte é esta: o tanque de fogo

 

O grego literal está aproximadamente assim: “as sete estrelas, anjos das sete igrejas são e os candelabros sete, sete igrejas são”: “οἱ ἑπτὰ ἀστέρες ἄγγελοι τῶν ἑπτὰ ἐκκλησιῶν εἰσίν καὶ αἱ λυχνίαι αἱ ἑπτὰ  ἑπτὰ ἐκκλησίαι ἐκκλησίαι”.

A estrutura usada em Ap 20, 14, onde o símbolo é explicado, mostra que aquilo que está no lugar do símbolo é a “segunda morte”.

Então, essa versão que o livro mortalista trouxe, e serviu para o seu argumento, não traduziu conforme o original em relação à estrutura: “Então a morte e o Hades foram lançados no lago de fogo. O lago de fogo é a segunda morte.” Aqui o lago de fogo está no lugar do símbolo, mas no original não. Assim, essa é de fato mais uma refutação.

Quando São João explica que a segunda morte é o lago de fogo, os judeus entenderam que se tratava do hades igual a inferno, como na parábola do rico e Lázaro.

Jesus afirma que na Sua vinda os ímpios serão consumidos, como nos dias de Sodoma. Ainda, a explicação mortalsita da figura do fogo e enxofre caindo do céu como aquilo que aniquilará os ímpios, criando um lago de fogo e enxofre onde eles estão, torna toda a cena literal, o que contradiz o que o autor mortalista quis explicar acima. Ainda, contradiz aquela noção de que haverá castigo proporcional antes do lago de fogo.

Em outras palavras, se o fogo que cairá do céu é literal, criando um lago de fogo, então não haverá um castigo instantâneo, e assim o lago de fogo é o lugar do tormento proporcional, o que contraria a explicação anterior. Se o fogo que cai do céu aniquila os ímpios, e a figura do lago de fogo é apenas um símbolo para mostrar o que aconteceu aos condenados, então não houve castigo proporcional, contrariando a doutrina aniquilacionista proposta no livro. Das duas formas não há como harmonizar com a doutrina bíblica.

Se o lago de fogo não pode ter um fogo literal, já que a morte e o hades são nele lançados, também a forma de “aniquilar” os ímpios também deverá ser sem fogo. Ou haverá fogo? O aniquilacionista decide.

E a explicação de que o lago de fogo causa tormeno apenas no sentido simbólico é plausível, mas não se sustenta diante do que já foi exposto acima. E falta ainda ficar claro como será a completa aniquilação, como ensina o aniquilacionismo, se é pelo fogo e enxofre que cairá do céu instantaneamente, como falam as imagens proféticas, ou se realmente esse fogo formará um lago onde por um período temporário individual cada um irá ser consumido por séculos talvez, no tempo proporcional às suas faltas. É isso que dá introduzir outras interpretações das figuras bíblicas.

Se o fogo devorador cai do céu e elimina em um só instante a todos os ímpios, não há graus de castigo. Se o lago de fogo é apenas uma forma de mostrar o que aconteceu com os que morreram no fogo que caiu do céu na vinda de Jesus, de fato a explicação parece negar que haja castigo proporcional. De fato, não há como morrer instantaneamente e ao mesmo tempo ter um castigo proporcional às culpas. Por essa incoerência, surge mais uma refutação.

Portanto, a explicação de que o tormento diário para sempre é apenas parte do sentido simbólico foi bastante plausível no contexto da apresentação da doutrina aniquilacionista. Bom argumento. No entanto, em geral foram mostrados muitos problemas que invalidam a interpretação.

Gledson Meireles.