É muito árduo, e por
isso muito raro, conseguir entender bem e profundamente duas doutrinas diferentes, e até mesmo e em muitos casos opostas. Por isso, não é comum alguém
que entenda bem sistemas diferentes. Compreende um e somente metade do outro.
Sabe lidar com um e tropeça no outro.
Ao comparar o
Catolicismo e o Protestantismo isso salta aos olhos. É comum encontrar
discrepâncias consideráveis quando se lê tais abordagens em muitos autores. Nem
sempre o autor compreende bem os dois lados. É que a tarefa é enorme, confusa,
difícil. Portanto, é necessário estudo e tempo. É necessário ter espírito
aberto para compreender, antes de julgar. A análise precisa ser isenta de
juízos próprios, para que os dados realmente sejam trazidos à luz e possam ser
manuseados.
Assim é que mais uma
vez encontramos algo tremendamente interessante e importante na observação do
pastor Tiago Cavaco. O presente artigo certamente não vai sanar toda a questão,
mas pode levantar questões para maiores elucidações.
O autor afirma que o
catolicismo está estranhamente em sintonia com espírito moderno, quando é
contrário à insistência protestante de tirar conclusões da Bíblia. A verdade é
complicada, fiquemos com a beleza, a estética, diríamos. O Catolicismo tem uma
humildade epistemológica, e isso parece abrir espaço para um novo misticismo.
Assim, o católico não evangeliza
mais, e o ateu bem formado pode continuar no seu ateísmo. O autor diz isso em
outras palavras, como algo que explica a atitude católica nos tempos modernos,
nos dias atuais.
Realmente, há algo que
fez com que o autor fosse levado a tais conclusões. Os anos pós Concílio Vaticano
II têm visto o fervor dos católicos diminuir, os padres pregarem menos, as
conversões se tornarem escassas, e o aggiornamento,
que é expresso nesse diálogo com os novos tempos, tem sido visto por muitos
como uma mudança de atitude da Igreja em relação ao que vinha antes do
Concílio, e para os mais tradicionais como um afastamento e uma apostasia da
hierarquia. Isso é o confronte de ideias no interior da Igreja.
Certamente o pastor
está se referindo a isso, a essa mudança de atitude, que parece estar aberta
aos novos modelos de pensamento, a ponto de dizer que um jovem protestante
sempre verá Nietzsche como adversário, enquanto o católico pode esperar sua
canonização.
Por que isso? O
católico está caminhando com os tempos, mudando suas doutrinas, pensamentos e
atitudes, e o protestante está firme na Palavra porque crê na Bíblia como
âncora da verdade? É isso que o pastor está dizendo.
Ainda mais. O
Catolicismo está em constante mudança e progresso, mudando a doutrina, crendo
no oposto do que cria antes, porque o magistério interpreta a Bíblia, enquanto
o Protestantismo está alicerçado no que Deus escreveu na Bíblia. Aqui parece o
contrário: o católico pratica um livre-exame, ou segue o livre-exame feito pelo
magistério, e o protestante está seguro no dogma, porque crê na Escritura.
A Igreja muda e
tornar-se outra segundo o “espírito dos tempos”, e o Protestantismo está firme,
pois crê no sentido da Escritura. O Catolicismo projeta suas ideias no texto, e
o Protestantismo segue o que o texto diz. Assim, na Igreja Católica há espaço
para todas a inovações, e no Protestantismo isso não é possível, pois está
cativo à Sola Scriptura, à Bíblia.
Parece ter sido isso concretamente o que foi explicado pelo pastor.
No entanto, parece que há
uma inversão total aqui. A realidade mostra o inverso do que foi dito. É certo
que os tempos atuais têm exercido enorme influência nas Igrejas, e têm levado
muitos a concordarem e a agirem segundo os princípios mundanos. Mas, se a
posição oficial da Igreja Católica e do Protestantismo tradicional for avaliada
mais de perto, vê-se algo tremendo, e diverso do que foi posto acima.
Certamente o autor usou
a questão do limbo como base para afirmar que a Igreja Católica está aberta às
mudanças doutrinais, que pode deixar algum dogma a qualquer momento e adotar
outro, conforme o momento histórico. Talvez mesmo essa questão do Ecumenismo
que parece aceitar todas as religiões como iguais, pode ter levado a esse tipo
de compreensão, que na verdade não é exata.
No entanto, o que se vê
é que todas as inovações têm surgido no âmbito da Reforma. Ideias que, por
exemplo, vieram a abalar a fé dos crentes na própria Escritura surgiram entre a
erudição protestante, no século 19, por exemplo, vindo depois a adentrar
fileiras católicas e dar os resultados acima descritos. Mas, deve-se ressaltar,
quando essas influências tiveram acesso nos arraiais católicos, tiveram que
lidar com a devida reprovação da Igreja.
Também, as agendas
políticas e outras aspirações do mundo atual encontram maior espaço no âmbito
Protestante, a ponto de crescer e somente aos poucos, depois de anos, ou
décadas, ganhar algum espaço entre católicos. E, nesse caso, enfrentando duras
advertências da Igreja.
No caso, no Protestantismo,
que não tem uma figura central de liderança, é fácil observar que essas
infiltrações e doutrinas espúrias que vêm da sociedade e filosofias dos tempos
atuais, encontram lugar em todas as denominações, com maior ou menor amplitude,
e com maior facilidade que no Catolicismo.
São combatidos por
alguns, que procuram ser mais conservadores, mas é crescente a mudança de
atitude mesmo entre os mais radicais. O livre-exame leva mais cedo ou mais
tarde a acatar certas influências que, de pouco o pouco, como o fermento leveda
toda a massa.
Tal coisa é praticamente
impossível no Catolicismo, e as inculturações e os diálogos são lentos e passam
por escrutínio rígido, à luz da Palavra, na Bíblia e Tradição, de forma que o
texto da Bíblia não pode ser lido de outra forma a não ser naquela consagrada
pela tradição apostólica. Contrariamente a isso, no princípio de que só a
Bíblia é infalível, até concílios protestantes podem, em tese, ser reavaliados
e reformados.
Essa doutrina
protestante, bastante repetida, aliás, tem mostrado ser verdadeira, e ainda que
contenha certa rigidez, demonstra a realidade que as igrejas protestantes,
mesmo as históricas e tradicionais, têm adotado os sinais do “espírito dos
tempos” de forma mais rápida e evidente do que as igrejas católicas.
Fora de cogitação,
pois, está Nietzsche para entrar no rol dos santos canonizados, visto que sua
vida e obra está distante da tradição católica, enquanto que suas ideias podem
aqui e ali encontrar espaço nos púlpitos, documentos e práticas de igrejas
conservadoras de Reforma, que estão teoricamente abertas às novas luzes
provenientes da Palavra, segundo nova interpretação. Inovações no sentido acima
ressaltado são praticamente impossíveis no Catolicismo, enquanto que o mesmo
não pode ser dito do Protestantismo.
E qual a razão de
tamanha atração do Catolicismo pra tantas mentes, até aquelas hostis à Igreja?
Certamente a verdade que está na sua mensagem. Não é a possibilidade de irmos
para onde mentes humanas querem ir, pois isso é mais fruto de livre-exame do
que do magistério. Pense nisso. Todos podem, já de início, ir percebendo, e aos
poucos crescendo nesse conhecimento, estuando a doutrina cristã católica. Há
muitos que profundamente estudando a doutrina católica, mergulham nessa fonte
da graça, através da fé, que encontram em Cristo, e percebem a solidez que
perpassa os tempos históricos, permanecendo a Igreja igual e sempre jovem,
atraindo as mentes e corações, abarcando todas as esferas da realidade, à luz
da verdade que é Cristo Jesus, conforme Sua doutrina.
Considerando conteúdo da segunda parte do livro de Tiago Cavaco, - "Cuidado com o alemão: três dentadas que Martinho Lutero dá à nossa época".
Gledson Meireles.