Os propugnadores da
mortalidade natural, contrários à imortalidade da alma, procuram em textos
antigos, em escritos dos pais da Igreja, a prova para sua doutrina.
Afirmam que a partir do final
do século 2, os padres da Igreja foram aos poucos mudando de ideia, adotando
nova crença, e ensinando a imortalidade da alma. Após isso, afirma o livro, os
pais da Igreja posteriores tiveram que alegorizar o que a Bíblia ensina, e ensinar
que as almas estão no céu, negando a ressurreição, o reino literal de Cristo na
terra, o pré-milenismo.
Aliás, o livro traz a
afirmação de que o exemplo do pré-milenismo sendo deixado de lado, e o
amilenismo adotado mais tarde, seria uma prova de que a doutrina de um período
é logo negada por todos mais tarde. O que os pais da Igreja ensinariam em uma
época seria negada por outros pais da Igreja em seguida.
O problema com esse exemplo
é que a doutrina do milênio não foi nunca um dogma, e havia, como já provado
antes, cristãos que ensinavam diferentemente sobre esse ponto, e ainda assim não
havia divisão por causa disso. Tratava-se de um ponto discutível, que podia
coexistir em diversas opiniões, até que a Igreja chegou a um consenso, sem
nunca tê-lo dogmatizado. O que os pais da Igreja ensinam em consenso em uma
data, não é mudado depois, mas continua o consenso, que faz parte da tradição
da Igreja. Assim é que o milênio foi ensinando, em muitos séculos, por tantos
outros, durante toda a história da Igreja, ainda hoje, por exemplo, assim como
o milênio espiritual, chamado por muitos como amilenismo. Na verdade, a Igreja
crê no milênio, mas espiritualmente, e essa é a doutrina que prevalece.
Ao citar sobre “os bons
habitarão a terra”, São Clemente está citando os Provérbios 2, 21-22, sem fazer
maiores considerações. Apenas repete o que a Palavra de Deus afirma a respeito.
Não diz sobre a imortalidade da alma, nem sobre o céu, onde as almas dos santos
já esperam conscientes a ressurreição. Ele apenas cita os Provérbios, sem negar
a imortalidade da alma, sem negar o céu, sem afirmar o reino somente na terra,
como ensinam outras doutrinas. Clemente não trata dessa questão nessa citação.
Ao afirmar que os bons habitarão
a terra, faz o mesmo que Jesus no Sermão da Montanha, que diz: “Bem-aventurados os mansos, porque possuirão
a terra”. No entanto, sabemos que o mundo será transformado após o juízo,
para a humanidade redimida. Sabemos que o reino dos céus também aparece no
Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os que tem o coração de pobres, porque deles é o Reino dos Céus”. Onde morarão os justos para
sempre. A terra será, de alguma forma, ligada ao céu, e os habitantes do céu
poderão habitar a terra.
Embora essa não era
realmente a interpretação de Santo Irineu. Ele pensava em alguns habitando o
céu, outros habitando o paraíso, e outros a Jerusalém descida do céu.
Tratava-se das primeiras interpretações da Bíblia concernentes à escatologia.
Lembrando que Santo Irineu
cria na imortalidade da alma. Ele ensinou que a alma mantem a existência após a
morte, separada do corpo. Que a alma mantem a forma que o corpo tinha, e que a
alma continua a lembrar dos atos praticados quando estava viva com o corpo.
Portanto, a escatologia do milênio não tem nada a ver com negação da
imortalidade da alma. Também, dito doutro modo, não tem a imortalidade da alma
coisa alguma com a doutrina amilenista, ou do milênio espiritual. De fato, os
padres que creem na imortalidade da alma também creem no milênio.
Para provar sua asserção
sobre a alma, Santo Irineu baseia-se, perfeitamente, na parábola do rico e
Lázaro. E, para provar que cria na imortalidade da alma, mais uma vez, escreve
que as almas recebem uma merecida habitação mesmo antes da ressurreição. Ou
seja, as almas habitam um lugar espiritual à espera da ressurreição. Porque a
alma recebe a vida pela graça de Deus. Eis o que ensinava Santo Irineu.
São Justino afirma que
muitos pensam diferente a respeito do milênio, mas são verdadeiros cristãos.
Ele tem uma opinião própria, também seguida por outros. Nessa passagem, São
Justino fala dos hereges, entre esses um grupo chamado “batistas”, que negam a
ressurreição. Por isso, faz uma refutação à ideia dos gnósticos, não em relação
à imortalidade da alma, mas por causa da negação da ressurreição.
Por tudo isso, a questão da imortalidade
da alma não é prova de que esse foi o motivo de muitos não crerem no milênio
literal, e que a questão do milênio não é prova contra a imortalidade da alma.
Essas doutrinas estão no patrimônio da Igreja.
Didaque 1:7; Policarpo aos
Filipenses 2, 1-3; Didaquê 16,6-8; S. Irineu, Contra heresias livro 5, 32.33.
Gledson Meireles.