Lidando com um dos maiores argumentos do livro A lenda da imortalidade da alma.
BANZOLI, Lucas. A Lenda da Imortalidade da Alma. Curitiba: Clube de Autores, 2022.
O que
aconteceria se não houvesse a ressurreição?
Se para o autor mortalista o versículo preferido é 1
Cor 15,32, o meu versículo predileto contra a doutrina mortalista é Fl 1, 23, o
desejo de partir e estar com Cristo, que o apóstolo São Paulo expressou de forma clara.
Ainda que o mortalismo tente uma resposta bem
estruturada, de que o apóstolo estava cansado, e sabia que uma vez morto o tempo
não existe e seria como se encontrasse com Jesus ‘imediatamente’, ainda que se
passassem milhares de anos, ou seja, que de fato não se encontraria com Jesus, e sabia disso,
a não ser na ressurreição, essa resposta, naturalmente, não está conforme as
noções que a Bíblia apresenta de forma simples no contexto, sobre o assunto, que é a partida na
morte para estar com o Senhor Jesus enquanto os cristãos filipenses ainda
permaneceriam na terra.
É praticamente o verso bíblico mais forte contra a
doutrina mortalista, em conjunto com tantas e tantas outras passagens. E, por isso, não pode ser refutado pela doutrina geral bíblica sobre a imortalidade da alma, nem pelo contexto imediato, que é bastante límpido, nem pela carta inteira ao Filipenses, que mostra que o apóstolo desejava a ressurreição, mas que naquele momento referia-se a estar logo com Cristo quando morresse.
Outro fato é que o texto de 1 Cor 15, 32 pode ser
entendido da forma imortalista. Então, se Fl 1, 23 é irrefutável, e 1 Cor 15, 32 admite a leitura imortalista, fica complicado para os aniquilacionistas refutarem mais esse argumento.
Se a vida da alma é incompleta, não comparável à vida física neste mundo, e se não
houvesse nenhuma redenção, a alma estaria perdida em pecado e na escuridão, de
forma a ter uma existência sem força vital, como que vegetativa, por assim
dizer, ainda que a comparação seja ruim, mas que explica que não há ninguém que
deseje uma ‘vida’ dessa em preferência à vida na terra. Assim, o texto encaixa-se
também perfeitamente.
A razão para que o apóstolo Paulo use essa
argumentação é que não existe noção de vida eterna sem a ressureição, e não que
a alma não exista. Isso não "necessariamente" implica que não há noção de imortalidade da alma no argumento, e que o apóstolo não acreditasse que a alma sobrevive à morte.
A alma continua existindo, mas conforme explicado acima, se
Cristo não ressuscitou todos continuam nos pecados, e tanto os vivos quanto os mortos estão
perdidos, e, portanto, ou não existe mais nada além da morte, caindo em um materialismo completo, ou a vida da alma
será envolta em trevas. Em toda essa argumentação, nos dois cenários, se não houver ressurreição faz sentido a argumentação paulina.
Assim, todos poderiam aproveitar o momento presente porque não haveria mais vida, nem como a que já existe aqui, nem muito menos como a que se espera
na ressureição.
Dessa
forma, o argumento de forma alguma não despreza estar com Deus em espírito, já que esse estar
não é para sempre em espírito, mas é fundamentado na esperança da ressurreição, ou seja, ansiosamente na ressurreição dos mortos, e na
argumentação paulina esse estar com Cristo não existiria se Cristo não houvesse feito a
obra de redenção, e não houvesse ressuscitado. Não se deve introduzir esse ponto para argumentar, já que não existe. Talvez seja difícil entender, mais isso ficará mais claro na exposição abaixo.
De fato, a ressurreição é um modo
de resumir a obra de Cristo para a salvação, o que mostra que se Ele não
ressuscitou, não venceu a morte, não fez obra alguma anterior e todos ‘continuam’
em seus pecados. Essa parte do versículo é a mais importante para entender a questão, e o livro não fez a devida argumentação levando em conta esse pormenor.
Portanto, o argumento não nega que a alma já esteja no céu,
uma vez que Cristo ressuscitou. A questão não é essa e não entra diretamente em toda a cena. O argumento é contra um materialismo crasso, talvez, que estava na mente daqueles cristãos coríntios, o que é algo estranho, já que como cristãos usufruiriam da obra de Cristo se pensassem apenas na vida terrena? Ou contra
qualquer noção que negue o fato da ressurreição, já que essa está no plano
completo de salvação realizado por Deus.
A
vida eterna conforme toda a Bíblia não é prevista sem a ressureição e os salvos não são feitos para
passar a eternidade sem o corpo. Por isso, tal noção não existe e o argumento contrário
feito sobre ela deixa de ter valor. Se o autor quiser argumentar o mesmo com base em 1 Cor 15, 32, que tire tal noção da sua argumentação.
Note
que o problema que São Paulo coloca é que se Cristo não ressuscitou todos
continuam em seus pecados. Dessa forma, não só a vida futura deixa de existir, a vida plena, em abundância, mas a presente vida também já está envolta de condenação.
Por
isso o argumento é forte. Ele é explicado das duas formas: se há materialismo,
pode haver hedonismo já que não há mais nada a ser esperado. Mas, de forma
idêntica, se a vida da alma é fraca e sombria, ou seja, o estado dos que morrem sem esperança alguma da salvação e
da vida eterna é de trevas e limitações, na melhor das hipóteses, o hedonismo continua
sendo válido na argumentação. Portanto, isso refuta o argumento do mortalismo
empregado aqui, em sua argumentação que pretende ter força além do que tem.
Em
nenhum lugar a doutrina bíblica e católica afirma que a vida eterna está
condicionada à existência da alma, mas à ressurreição. E a doutrina católica é bem estruturada, conseguindo resolver os impasses que, por exemplo, a doutrina protestante não consegue.
Ninguém foi feito para
viver eternamente sem ressuscitar, como os gregos antigos acreditavam, e outras
doutrinas, certamente, até os dias de hoje propõem.
A
ressurreição não é mostrada como a única forma de estar com o Senhor. O salvo já está com o Senhor, já vive no céu, sentado e reinando com Cristo. Também isso já
foi mostrado em Fl 1, 23, onde Paulo quer ir estar com Cristo antes dos cristãos filipenses, já que
pensava que logo iria morrer. Isso mostra que não se referia à ressurreição
naquele momento, mas à morte. E, como na morte a única forma de estar com
Cristo é continuar a existir em espírito, está provada a imortalidade da alma.
A
argumentação bíblica de 1 Cor 15, 29-32 para provar a ressureição é bastante
profunda. Havia quem pensava em auxiliar os mortos batizando-se em favor deles.
Se os mortos não existem, não usufruiriam nada do batismo, somente no dia da
ressureição, quando seriam recriados. Então esse batismo serviria para aquele
dia, não se sabe como.
Mas,
se os mortos existem, o batismo em favor deles já os preparava perdoando
pecados e faltas que os colocava em má situação diante de Deus e garantiria sua feliz ressureição. E isso faz sentido.
E
se os mortos não ressuscitam? O batismo seria inútil, sim. Se os mortos
continuam em pecados não teriam a ressurreição para a vida, mas para a
condenação. De fato, é nesse cenário que se deve pensar tudo isso, já que todos
serão ressuscitados, bons e maus, e isso está previsto. Portanto, o batismo
pelos mortos tem de ter algo que
auxilie os mortos, e não apenas que
garanta a rever os mortos no dia da ressurreição. Além do mais, o argumento do batismo em favor dos mortos é ligado à fé na ressurreição.
Sem
a ressureição pode ser entendido o materialismo, nada mais após a morte, ou
pode, também, como explicado, ser entendido que a condição seria de extrema penúria e
condenação, e não de salvação e felicidade, o que mostra que a ressurreição de
Cristo torna-se totalmente necessária.
Em
qualquer desses dois cenários o batismo pelos mortos seria inútil, pois não haveria
ressurreição e nem salvação.
Todo
o argumento do mortalismo com base em 1 Cor 15, 32 é que se não há ressurreição
não há vida e existência após a morte e tudo o mais deve ser vivido enquanto há
tempo.
De forma simples, essa é uma interpretação natural é totalmente
plausível e possível, compreensível e irrefutável. Não é porém a única, como
vivos, já que ainda que a fé na imortalidade da alma exista, se for retirada a
salvação, e colocada uma existência post mortem tão frágil como visto antes, o argumento a
favor da ressureição torna-se forte.
De fato, não se considera os cristãos
salvos esperando em Cristo no céu para argumentar aqui, mas a simples
inexistência da ressureição e a vida sem esperança de salvação, onde todos
estão com seus pecados.
Se
no contexto fosse colocada a fé cristã da alma no céu em glória e felicidade à
espera da ressureição, realmente a argumentação não faria sentido. Mas, tal
coisa não acontece em toda a passagem, onde a comparação é sobre a esperança da
salvação, fundamentada na ressureição de Cristo, e a falta dela. Assim, não se deve colocar
a vida eterna já usufruída pelos santos na equação aqui.
Em
1 Cor 15, 16-19, já aludido na resposta acima, mostra que se Cristo não ressuscitou
todos estão perdidos, tanto os vivos como os mortos.
Se
Cristo não ressuscitou os mortos em Cristo estão perdidos, referindo-se aos
cristãos, os que dormiram em Cristo.
Isso é peculiar, já que a argumentação se dá em referência a quem morreu com a
fé em Cristo. Se Cristo não ressuscitou, tudo o que foi explicado antes é
possível.
Se
os mortos não existissem, não estariam perdidos, mas apenas não voltariam a
existir mais, e portanto nada mais sentiriam. Se os salvos antes de Cristo não
existissem, não teriam esperança em Cristo,
pois não existiriam quando Cristo veio à terra. Os mortos estariam destruídos, mas isso não traria mais qualquer mal a eles, já que não existiriam.
Para
a doutrina da imortalidade da alma é possível que os mortos tenham a esperança em Cristo, porque Jesus desceu ao mundo
dos mortos e foi visto por todos os salvos, que certamente ficaram mais fortes
na esperança da ressurreição.
A
argumentação citada do Dr. Bacchiocchi já está refutada, visto que na equação
não se introduz almas salvas em Cristo, sem a esperança da ressurreição: “Paulo dificilmente teria dito que os santos
adormecidos teriam perecido sem a garantia da ressurreição de Cristo se cresse
que suas almas eram imortais e já estavam a desfrutar das bênçãos paradisíacas.”
Isso significa que sem Cristo ainda que as almas sejam imortais não há como
desfrutar das bênçãos paradisíacas. O contexto liga a ressurreição com a obra
da salvação, onde se Cristo não ressuscitou os pecadores continuam em seus
pecados. Nunca diria que sem a ressureição, que, como já explicado, está
atrelada à doutrina da salvação, os santos poderiam permanecer desincorporados, e felizes, por toda eternidade. Está portanto refutada a argumentação.
Se
o raciocínio é contra a doutrina materialista, havia crentes materialistas com
esperança apenas para esta vida. Se a argumentação visa refutar falsa doutrina da
vida póstuma sem a ressureição, onde os cristãos criam poderem usufruir da vida
eterna em Cristo em suas almas imortais, São Paulo está afirmando que não é
isso que é a doutrina cristã, pois se Cristo não ressuscitou é vã a fé de todos
e todos estão perdidos. Não havia possibilidade de estar feliz em Cristo, já que a ressurreição pressupõe a salvação, e serve tanto para a mudança de estado de vivos e mortos.
Nada
mudaria no cenário imaginado na argumentação do livro: sem a ressurreição os
salvos viveram bem no além!.
Mas isso não entra na equação, está refutado, e bem
exposto acima.
E a questão: “Como os
imortalistas respondem a um argumento tão forte?” O que o autor faz
refutando a explicação de João Calvino certamente não poderá fazer ao tentar
refutar o que foi escrito acima.
De fato, a ressureição é o argumento central
da passagem, não porque não existe alma imortal, mas porque se os mortos não ressuscitam,
como foi ensinada no evangelho, tudo é vão e a condenação já está presente nos
vivos, e quanto aos mortos nada mais há para esperar, muito menos vida de
felicidade em estado desincorporado, já que somente em Deus há salvação, paz,
felicidade. Para quem entende tudo isso, as demais passagens bíblicas que
implicam a imortalidade da alma, que são irrefutáveis, toram-se mais e mais claras
a respeito desse assunto.
Gledson Meireles.