O Dr.
Bacchiocchi afirma que “a doutrina do purgatório oferece o mais claro
entendimento do sistema Católico de salvação como dispensação da
sua Igreja” (ênfase do autor).
E, afirma que, para entendê-lo é preciso
considerar as doutrinas relacionadas: do tesouro dos méritos, das orações aos
santos e pelos falecidos e as indulgências pelos mortos.
De certa
forma, o autor está correto em analisar mais amplamente o cabedal de doutrina
para melhor compreensão da doutrina do purgatório.
O Dr.
Bacchiocchi, citando S. Tomás, compreende que o purgatório faz parte do
processo de salvação que se inicia nesta vida. Certamente, ele poderia
concordar com essa verdade, mas não o faz por não crer na imortalidade da alma.
Assim, os
sofrimentos purificadores são possíveis pela graça. De fato, a alma que se
disciplina na graça, pode alcançar de Deus o perdão das penas. E a
alma do purgatório ganha esse mesmo perdão das suas penas pelas orações dos
santos na Igreja.
Esse
princípio bíblico está em conformidade com a doutrina da cruz. São Paulo diz:
Porque o exercício corporal para pouco aproveita, mas a piedade para
tudo é proveitosa, tendo a promessa da vida presente e da que há de vir (1 Tm 4:8).
O exercício
físico é contraposto ao exercício espiritual. O último é proveitoso tanto para
a vida presente quanto para a vida eterna. E vida eterna significa a salvação.
Portanto, as obras em estado de graça estão no rol da salvação.
Uma correção
do pensamento do Dr. Bacchiocchi parece ser necessária, já que o autor afirma,
em sua obra, que o perdão, ensinado na Igreja, deve seguir-se aos atos de
satisfação, quando na verdade o perdão precede tais atos, que devem ser
realizados em estado de graça, ou seja, em Cristo Jesus nosso Senhor e Salvador
(cf. p. 131).
O Dr.
Samuele continua com a questão: A salvação é um dom divino da graça ou
é uma realização humana pelas obras? Essa pergunta ainda reflete um
não entendimento do purgatório.
De fato,
somente pode ser purificado das penas, ou imperfeições, aquele que está salvo
pela graça. Não há exclusão dessa realidade. As penas eternas e temporais são
todas remidas por Cristo. No entanto, há casos em que o salvo deve experimentar
as penas temporais para o seu próprio bem, como acontece quando pecamos após a
justificação.
Para os que
negam a imortalidade da alma, a doutrina do purgatório teria origem da
conjunção com essa noção.
Para as objeções fundamentadas nesse princípio, a
visão “dualista” seria influência da cultura helênica entre os judeus (e,
depois, entre os cristãos) e isso teria dado oportunidade para a adoção do
purgatório entre eles.
Tal foi a visão de Harnack, segundo o Dr.
Bacchiocchi. E, acredito, sendo Harnack um liberal, esse é mais um exemplo de
seus desvios doutrinários.
A
inferência de que 2 Macabeus estaria refletindo influência gentílica não é tão
simples como pode parecer. De fato, os judeus daquela época (180 a. C. a 161 a.
C.) lutavam contra todo o domínio e influência estrangeira, em defesa da
religião judaica.
Outro fator,
é que não se trata de um ou outro judeu, que teria adotado uma cosmovisão
própria do helenismo, como é possível ocorrer. De fato, no livro da Sabedoria,
cap. 3, ocorre o termo “imortalidade”, sob influência grega.
No entanto, a
concepção está sob o ideal de justiça israelita, onde o termo é usado para
veicular uma doutrina judaica.
Portanto,
não é um indivíduo aqui e ali que desistiu da resistência ao império pagão do
seu tempo, e tenha adotado “inovações pagãs”, mas trata-se do ramo principal do
judaísmo da época, em guerra contra as influências externas.
Ainda que os
gregos e sua cultura estivessem tão próximos daqueles judeus, que, aliás,
escreveram os livros dos Macabeus, e outros, certamente, em língua grega, as
semelhanças quanto à crença na purificação dos pecados dos falecidos podem
tratar-se de pontos semelhantes entre as duas culturas religiosas, e não
exemplos de absorção de doutrinas do helenismo grego.
O Dr.
Bacchiocchi enumera cinco pontos para analisar o texto contra o uso católico do
mesmo. Preparei um resumo, que mostra que suas ideias ficariam mais ou menos
assim, seguido das respostas breves:
1) O
livro não é parte do Canon judaico do Antigo Testamento.
Resposta:
os judeus aceitavam o livro de Macabeus. A história do Canon indica que por
volta do século 2 foi fechado o Canon excluindo livros. Macabeus foi excluído
por não estar em hebraico, um dos critérios estabelecidos pelos rabinos.
2) O
próprio relato de pagar para orar e pelo sacrifício em favor dos mortos seria
prova da não inspiração do livro.
Resposta: esse raciocino é
circular. Dever-se-ia procurar provas contra a doutrina em questão em outras
partes do AT.
3) Os
apócrifos não foram aceitos por Jesus e os apóstolos, que não os citaram no
Novo Testamento.
Resposta: a história do Canon afirma algo diverso. Não
cabe aqui entrar no mérito da questão.
4) Macabeus
12:42-46 tem em vista a ressurreição, para ganhar mais benções para os mortos
no dia da ressurreição, não o alívio dos sofrimentos no purgatório.
Resposta:
as orações e sacrifício tinham o objetivo de pedir a Deus perdão pelos
pecados dos mortos. O fundamento é o mesmo do purgatório, ainda que possa haver
diferença nos pormenores.
5) O
texto é anti-bíblico por ensinar que os sacrifícios pelos mortos pode redimir
seus pecados, o que não está nos preceitos do Antigo Testamento.
Resposta:
o texto é do AT e não contradiz qualquer outra passagem do mesmo. O autor não
forneceu provas.
O Dr.
Bacchiocchi afirma que uma das razões para rejeitar o purgatório é que a doutrina
é inconsistente com o ensino católico[1].
De fato, o
purgatório durará até o Juízo Final. Então, quem estiver vivo ou morrer no dia
do Juízo não deveria passar pelo mesmo, tendo assim dois padrões de justiça, um
para quem antecedeu o juízo e outro que livra alguns de passar por purificação.
O autor vê
nisso contradição sem sentido. Ao concluir, ele afirma que:
“Naturalmente,
isso não significa que somos eximidos nesta vida presente das consequências
temporais dos nossos pecados. Deus permite-nos passar pelo fogo crucial de
dores e provações para acelerar e purificar nosso caráter (cf. 2 Cor. 4:17 ;
Gal. 6:7 ; Heb. 12:4-11 )...”.
Essa
conclusão tem a mesma dificuldade que o autor viu na cessação do purgatório no
Juízo Final.
Uma vez que Deus não livra os vivos das dores e provações
consequentes do pecado, como deixará tantos, inclusive recentes convertidos,
sem a devida purificação do caráter que normalmente dispensa aos salvos na vida
presente, já que o Juízo não deixará mais tempo?
Seria isso um duplo-padrão,
como afirmado anteriormente? Ou a santificação do caráter era algo sem valor?
(p. 145). Entretanto, essa razão não é importante para rejeitar a doutrina do
purgatório.
Não sabendo quanto tempo e de que modo são purificados os que estão no purgatório, não se pode afirmar que no último dia não haja tempo para purificar todos aqueles que necessitam de purificação.
Não é
novidade que o Protestantismo rejeitou essa doutrina no século 16. No entanto,
os protestantes aceitam o purgatório sem o saber. Esses utilizam o argumento do
sangue de Cristo contra a purificação no purgatório. Mas, imperceptivelmente,
professam noção idêntica ao mesmo.
Isso
não significa que os protestantes concordem com a doutrina, nem que a
desenvolvam do mesmo modo que a Igreja Católica, ou que adotem práticas
decorrentes da semelhança doutrinal aludida no título. Essas características
não cabem no sistema Protestante.
O que
acontece é que na teologia protestante aparecem, inevitavelmente, sombras da
doutrina do purgatório, ainda que os protestantes neguem a mesma.
Exemplos
disso estão na doutrina do Tribunal de Cristo, aceita por batistas
fundamentalistas, como será mostrado abaixo, e como é uma ideia prevalecente em
todo o Protestantismo.
Tratando da
doutrina do Juízo no Tribunal de Cristo, Franklin Ferguson afirma:
“No Tribunal
de Cristo nenhum pecado será exposto, pois todos já foram atirados ao mar do
esquecimento divino. Mas, se os pecados foram cometidos contra o próximo,
precisamos procurar a pessoa ofendida e pedir perdão em o Nome de Jesus. Se não
forem esclarecidos agora, nosso castigo será uma perda de galardão, mas sem
condenação alguma de nossas almas.”
Atenção,
pois que ele fala do “castigo” que será a “perda do galardão”. Mais adiante, na
sua exposição, ele afirma: “Seremos julgados pelo nosso testemunho, pelas
nossas obras na vida familiar e social, na pregação do evangelho, pois o nosso
serviço aqui na Terra será aprovado ou condenado, conforme o padrão divino.”
Por fim,
seguem as palavras do autor, para melhor exposição do tema:
“Nossos
erros serão corrigidos; os julgamentos errôneos serão revertidos; as
incompreensões serão esclarecidas, as tentativas egoístas de imputar falsidade
ou o mal, onde estes não existam, serão denunciadas. Os meios, palavras e
intenções serão todos expostos à verdadeira luz, revelando o caráter de cada
despenseiro da Palavra. Logo que todas as coisas estiverem resolvidas, cada
crente vai receber o que merece. Muitas lágrimas vão deslizar nas faces de
alguns, antes que a glória eterna lhes seja propiciada.
Depois
disso, nenhuma nuvem vai surgir em nosso firmamento e nenhuma questão pendente
será levantada, para minar a alegria dos salvos. Este será um dia feliz, com o
sol da justiça brilhando no horizonte, sem sombra alguma que venha perturbar
nossa felicidade. Demos graças ao Pai porque Ele nos permitiu chegar ao
do Tribunal de Cristo.”[2]
Seguindo a
mesma linha, ao tratar do pecado, os puritanos falam das ações corretivas de
Deus:
“Todos os
outros males são medicina de Deus e são usados como remédios, tanto para a
prevenção, como para a cura do pecado (...) E como Ele usa todos os outros
males para prevenção, do mesmo modo Ele os usa para a cura do pecado. ”
Começando
pela ideia na citação do artigo dos Puritanos[3], os Protestantes poderiam
argumentar que tal fato ocorre na vida presente, não na futura e, assim,
fugiriam da questão. Porém, quanto à citação de Ferguson, é impossível esse
argumento prevalecer, já que tudo gira em torno do Tribunal de Cristo, que não
ocorre nesta vida.
Assim, mesmo
que negando a doutrina do purgatório, os protestantes por vezes anunciam a
mesma verdade, sem perceber, quando tratam de assuntos da Escritura de forma
detalhada. Quando CONSEGUIREM DESCOBRIR a incoerência em negar a doutrina do
purgatório, haverá para eles grande progresso na compreensão das Escrituras.
É conhecida
a controvérsia entre cristãos católicos e protestantes a respeito do
purgatório.
Nesse tópico será estudado o tema a partir do ríspido ataque de
Dave Hunt.
Analisando a
argumentação de Dave Hunt, contra a doutrina cristã do purgatório, pode-se
relativamente resumir do seguinte modo: Cristo tornou possível o perdão dos
pecados pelo Seu derramamento de sangue em sacrifício na cruz, já que sem
derramamento de sangue não há perdão (Hb 9,22). Assim, pagou e purgou todas as
culpas, tirando o salário do pecado, que é a eterna separação de Deus, a morte
(Rm 6,23). Deus realizou a purgação, que é possível pela fé somente, e
realizada no coração pela graça. Somente alguém sem pecado pode oferecer o
sacrifico para purgar o pecado. Por isso, somente Cristo pode purgar o pecado,
não restando razão de desejar ganhar o perdão através do sofrimento ou qualquer
obra. Tal pensamento seria uma negação blasfema contra o sacrifício completo de
Jesus Cristo, pois faria do sacrifício apenas o alcance do perdão, mas, não da
purgação do pecado. Desse modo, não é possível sofrer para remir penas, e não é
mais necessário o pecador perdoado sofrer por causa do pecado, pois, Cristo
pagou a pena completa exigida pela justiça de Deus. A prova do livro de
Macabeus não é aceita por se tratar de contradição com a doutrina bíblica de
que após a morte vem o julgamento, e assim não há motivo da oração pelos
mortos; pelo fato dos Macabeus terem cometido idolatria e estarem condenados;
por se tratar de livro sem inspiração, escrito num tempo em que não havia profeta
em Israel. Além do mais, se as Missas e obras feitas em favor das almas no
purgatório podem auxiliá-las, então, o sofrimento não seria necessário de forma
alguma, já que pode-se dele ser tirado, por missas, indulgências e sacrifícios
de outros cristãos, algo que a cruz de Cristo não pôde realizar, mas que outras
maneiras, como a repetição do Seu sacrifício pode, tornando-se clara e fatal
contradição.
Esse resumo
está fundamentado nos argumentos expostos no apêndice A: “Purgatório”, no livro
“The Woman Rides the Beast”, de Dave Hunt, escritor anti-católico nos
Estados Unidos.
Uma
avaliação. A imediata transformação do corpo na ressurreição não é evidência
contra o purgatório, assim como não indica qualquer alteração na ordem
estabelecida de que todos comparecerão diante do tribunal de Cristo para
receber o que tiver feito no corpo, onde muitos sofrerão punições temporais (2
Cor 5).
Scott Hahn
usa uma analogia para ilustrar isso: alguém quebra a vidraça da casa do
vizinho. O vizinho perdoa esse feito, mas ainda permanece a justiça de reformar
a janela quebrada. Mateus 5,25-26 e Lucas 12,52-59 tratam de uma prisão após o
julgamento, da qual somente sairá depois de pagar o último centavo, o que
metaforicamente indica o purgatório.
O coração
deverá, após isso, estar totalmente voltado para Deus, repleto da graça
recebida. Há uma medida de justiça a ser efetuada, como no caso de Davi
perdoado (1 Reis 12,14).
O que os
Protestantes falham em levar em conta é o que concerne à justiça de Deus.
Apelam para o argumento falho de que a justiça é efetuada somente durante a
vida, o que faria toda retribuição ser necessária somente nesse mundo,
esquecendo-se de que a justiça de Deus é a fundamental exigência.
São Tiago
afirma, aos cristãos, que aquele que converte um pecador salvará uma alma da
morte e cobrirá uma multidão de pecados (5,20). Essa passagem está em completa
contradição ao sistema protestante de que não há possibilidade e necessidade de
purgar pecados após a cruz!
A
metamorfose ocorrida no arrebatamento é um tipo do purgatório, já que após o
juízo final não haverá mais purificação. As afirmações de Dave Hunt possuem
incorretas suposições e irregularidades. Há certo “sacrifício” a ser oferecido
a Deus, por meio de Cristo, para fazer satisfação pelo pecado perdoado. Ajudar
os pobres, por exemplo.
Assim, o
sofrimento não é o único e obrigatório jeito de livrar-se das penas temporais justas
que o pecador merece. Dave Hunt reconhece que Cristo sofreu por nós, mas ainda
há sofrimento a ser enfrentado. Explica que Cl 1,24 não trata do suficiente
sacrifício. Mas diz que o sofrimento que falta nas tribulações de Cristo, e que
os cristãos devem enfrentar, são as perseguições por causa da obediência.
Desse modo,
Dave Hunt reconhece que “Ele (Cristo) não sofreu todo o sofrimento necessário
para realizar tudo o que a igreja está para realizar”, e que há sofrimento
ainda em toda a história, o que, em outras palavras, afirma o mesmo que a
doutrina do purgatório, mas, interessantemente, SEM PERCEBER.
Uma
importante explicação do texto de Mateus 5,25 é dada por Tertuliano. O escritor
cristão fala do Hades como “a prisão” (Mateus 5,25) e o “último centavo”
significando a menor ofensa, indicando uma disciplina compensatória naquele
lugar antes da ressurreição.[1]
Jesus
Cristo, por Seu sangue derramado na cruz, remiu e purgou todos os pecados e
penas devidas, eternas e temporais. Na justificação, Deus cria uma nova
criatura para a qual nenhum pecado nem qualquer pena permanecem.
No entanto,
mesmo estando na graça de Deus, o fiel pode pecar levemente, ou cair da graça
pelo pecado mortal. Mesmos os pecados leves não ficam impunes. O valor do
sacrifício de Cristo permite que as penas temporais sejam extirpadas, mas exige
uma satisfação do pecador perdoado. Muitas vezes isso significa sofrimento. Por
isso, qualquer obra ou sofrimento não tem o poder de purgar pecados e/ou penas
do pecado. Somente a graça de Cristo agindo nessas ações (obras, sofrimento
aceito) é que pode remir as penas, unicamente pelo sangue
derramado na cruz. Eis a grande diferença.[2]
Gn 50:10:
lamentação por sete dias (pelos mortos). Orações rituais num período
específico. Nm 20:29 (choraram a Aarão). Dt 34:8 (prantearam a Moisés).
O
entendimento judaico dessas práticas é que as orações podem auxiliar os mortos
na dor da purificação e apressa o passo da sua jornada em direção a Deus. O
fato é que havia luto pelos mortos, e isso é prescrito na Lei. A explicação
acima mostra o sentido que o Povo de Deus vê nessa prática.
Se há certo
cuidado em ajudar as almas para que sejam purificadas, então há
embrionariamente a ideia do purgatório (Leia os textos citados de Gn 50,10; Nm
20,29 e Dt 34,8).
Hb 12:29
Deus é um fogo consumidor.
Ap 21:27
nada de impuro entrará no céu.
Mat 5:26,18:34;
Lc 12:58-59: O sentido literal fornece a base do purgatório. A interpretação
protestante que vê nessa passagem apenas uma exortação social é, no mínimo,
próxima da heresia.
Estaria
Cristo, nosso Senhor, preocupado em tratar de maus cidadãos, ameaçando-os com a
prisão, quando sempre Suas palavras são primeiramente relativas ao Reino dos
Céus?
Essas
palavras do Senhor devem ser entendidas espiritualmente. São
metafóricas: Deus é o Juiz, o caminho é a vida e a prisão se refere ao fato de
que deve-se pagar o último centavo antes de ser solto, o que equivale ao
purgatório. E o oficial que entrega ao juiz? Como as parábolas não necessitam
que cada elemento seja explicado, ainda assim pode-se especular que um anjo
tenha a função do oficial como retrata a passagem.
Mateus 5:48:
o cristão deve ser perfeito. Se tal perfeição não é concluída em vida, deverá
ser antes de entrar na glória. Os protestantes certamente entendem que somos
perfeitos em Cristo. E tal fato é verdade. No entanto, a perfeição em Cristo
atingirá o cristão em seu próprio ser, realmente. Isso nos ensina o Espírito
Santo nos tornará perfeitos na realidade do nosso ser, o que não pode ser
negado.
Mateus
12:31-32: Esse texto revela que a blasfêmia contra o Espírito Santo não terá
perdão nunca. Ainda mais, revela que há perdão após a morte. Que tipo de perdão
seria esse?
Sabe-se que
não há segunda chance, pois a morte sela para a eternidade. Essa passagem é
explicada quanto às penas dos pecados, e os pecados veniais, já que esses não
tiram a graça, mas merecem correção da justiça de Deus.
E de fato,
todo salvo arrepende-se de todos os pecados, mesmos daqueles que não se lembra,
confiando no perdão de Deus. No entanto, como, pela Justiça, Deus castiga mesmo
o filho, haverá tal purificação do salvo. A expressão "no futuro"
indica além da morte. Os Judeus pensaram no Reino terreno que será implantado.
Há os que pensam no milênio, onde haveria "segunda chance". Tal
parecer é antibíblico. A doutrina do purgatório não ensina segunda chance, pelo
contrário, alerta sobre a correção purificadora de Deus.
1 Cor 3:13:
esse fogo não é o da destruição, como pensam alguns, mas o da purificação. Não
se trata do fogo de Deus para o Juízo Final. A salvação através do fogo não é
pelas obras condenadas, ou pela obra condenada.
O fogo
apenas revela a obra. Portanto, aquele que tem obra imperfeita é purificado e sofre
detrimento. Esse é o fundamento do purgatório. A queima das obras imperfeitas
sugere o que está sendo realizado na alma diante de Cristo. A respeito da
interpretação que afirma ser o texto referente aos falsos mestres, isso não é
verdade. Toda a passagem trata dos fieis, em sentido geral,
mostrando como exemplo os ministros ordenados. A Igreja ensina que esse texto
refere-se ao purgatório.As notas da Bíblia de Jerusalém (caso sejam
consultadas) parecem estar um tanto influenciadas por doutrina estranha.
1 Coríntios
3:15: o mesmo contexto. Esse fogo virá após a morte: quer se trate do
julgamento imediatamente após a morte ou do julgamento final dos salvos, o
texto refere-se indubitavelmente ao castigo dos pecados após essa vida. É
perspicaz em si mesmo. Não há necessidade de conhecer o texto original para
chegar a tal conclusão, que é clara pelo texto e contexto.
No entanto,
se se quiser alguma comprovação no original grego, os estudiosos afirmam que o
"sofrer detrimento" é tradução de zemiothesetai, da raiz zemitoo, que
refere-se a punição. Ambas deduzem o hebraico anash, que significa
punição, penalidade.
Então, há
comprovadamente punição temporal, mas a pessoa é salva. Por esse motivo, há
esse estado antes de entrar na glória, pois no céu não há punição, e no inferno
ninguém está salvo. Tal fato é claro pelo contexto inteiro, pois não se fala de
condenados nessa passagem.
1 Pd 1:7: a
fé é purificada já nesta vida através das tribulações. É mais
valiosa que o ouro. Será de louvor, honra e glória quando da Parusia. Essa
realidade também está de acordo com a purificação ocorrida no julgamento, ou em
relação a ele.
2 Tm 1:18:
São Paulo pede a misericórdia de Deus para seu amigo, o cristão Onésiforo, no
dia do Julgamento. Esse pedido é claramente uma oração. Pelo contexto,
Onesíforo era falecido.
Não adiantam repetições como "o purgatório é anti-bíblico" e outras
afirmações assim, pois a doutrina bíblica o estabelece. Ainda que São Paulo
tenha orado em favor de Onesíforo vivo, sua oração refere-se ao tempo em que
estaria morto, para auxiliá-lo quando da sua apresentação diante do trono de
Deus. Se ele pede a Deus a misericórdia
para seu amigo, é porque isso é proveitoso e não desnecessário. Contudo, o
contexto todo indica que Onesíforo já estava morto, e por isso a oração
refere-se ao dia do juízo.
Os debates
sobre o purgatório deveriam ser mais profundos, e os protestantes, para melhor
entender a doutrina e demonstrar suas razões concernentes a ela, deveriam
considerar os argumentos, respondendo-os, aos invés de repetir sua posição cada
vez que são confrontados.
A
Enciclopédia Barsa Britânica traz a informação de que foi a partir de 1439 que
a doutrina do purgatório começou a ser pregada pela Igreja, o que configura uma
informação incoerente. De fato, a mesma Enciclopédia reconhece que a fé na
doutrina referida é anterior à era cristã. Debates “católicos x
protestantes” atestam que a data (1439) é considerada por muitos como o
"início" do dogma. Por sua vez, alguns afirmam que a criação do mesmo
se deu em 593, tornado dogma somente na data acima aludida.
Os
protestantes, em geral, manifestam dificuldade em entender 2 Macabeus 12. De
fato, o sr. Moysés, protestante anti-católico, assim escreve: "O
livro apócrifo de Macabeus fala da morte de seus soldados,
devido à idolatria. Traziam, sob suas túnicas, os baalins (miniaturas
do deus baal)". É por tal motivo que muitos creem que aqueles judeus
teriam sido condenados. Dom Estêvão forneceu a explicação contextualizada do
fato, o que por si já refuta a posição do sr. Moysés: "Ele (Moysés)
talvez não tenha lido o trecho inteiro: após afirmar que foram encontrados
soldados judeus mortos pela fidelidade às suas tradições religiosas, mas
portadores de estatuetas proibidas pela Lei, o autor sagrado refere que
'os judeus se puseram em oração em favor dos mortos e Judas Macabeu
mandou oferecer um sacrifício pelo pecado em Jerusalém, agindo com grande
acerto e nobreza'. - Não se tratava de obter a conversão dos
falecidos, mas, sim, de pedir ao Eterno a purificação daqueles fiéis cujo amor
estava voltado para Deus, mas ainda era marcado por incoerências, a que estão
sujeitos mesmo os mais zelosos homens de Deus. "
O que a
Igreja ensina é que pode haver, ainda, imperfeição no salvo quando da sua
morte, e que há necessidade de purificação para que atinja a santidade
necessária. Há um processo de santificação, que pode concluir-se após a morte
(Catecismo, 1030). Tim Staples comenta que tal doutrina parece tão simples,
quase autoevidente para os católicos, mas que para os protestantes é uma
doutrina repugnante, a qual teria sido inventada na Idade Média. E mito deve
ser desfeito para entender a doutrina.
Tim Staples
corretamente identifica as duas razões que os protestantes apresentam quando
são confrontados com o texto de Macabeus: 1) negam sua inspiração, e 2) afirmam
que os soldados cometeram idolatria, e estariam no inferno.
Essa é, no
mínimo, a resposta para negar o purgatório. Os soldados judeus certamente
haviam apegado-se àqueles objetos pagãos por cobiça, ou talvez por superstição,
o que constitui pecado, mas parece não ter sido de idolatria.
De qualquer
forma, como somente Deus conhece os corações e sabe do grau de culpa que
aqueles homens tiveram, os judeus acreditavam poder oferecer orações e
sacrifícios para que fossem livres daquele pecado, considerado venial, já que
não pediriam a Deus o perdão por idólatras.
Esse fato
lembra o pecado de Acã, que cobiçou a capa babilônica, o ouro e a prata dos
pagãos, e os tomou e escondeu. Reconheceu, porém, seu pecado contra o Senhor,
confessou, mas foi apedrejado (Josué 7:20,21). No caso dos macabeus, Deus
conhecia o pecado deles, e os fez cair mortos na batalha. Isso foi o que
entenderam seus companheiros, sabendo que haviam morrido por terem pecado contra
o Senhor. No entanto, como já comentado, esse pecado foi considerado possível
de ser expiado por Deus, já que eles eram fieis judeus.
O texto de
Mateus 5 é o início do Sermão da Montanha, de ensinos profundos sobre o Reino
dos Céus. Os vv. 1-12 falam das bem-aventuranças, mencionando os “pobres de
espírito, porque deles é o reino dos céus”.
O Senhor
fala do galardão que é preparado para os fieis que Lhe são obedientes, e do
cumprimento da Lei. Segue mostrando a reforma que estava realizando, iniciando
com o mandamento: Não matarás (v. 21).
Jesus afirma
que não é apenas o homicídio que seria considerado pecado, mas mesmo a cólera
faria a pessoa réu de juízo. Perfeitamente um ensino sobre a conduta cristã no
reino dos Céus, já que os juízes e o Sinédrio da época não ratificavam as
Palavras de Cristo, não O reconhecendo como Messias.
Nesse
contexto, Jesus fala da reconciliação antes de oferecer algo no altar, e
menciona a prisão da qual sairia antes de pagar o último centavo. Se alguém não
reconciliou-se com o irmão, e foi desse modo diante do juiz, não sairá antes da
prisão de pagar o “último ceitil”.
Staples
afirma que os católicos, como Tertuliano (ano 208), reconhecem o sentido
espiritual dessa passagem, ou como diz: “esse ensinamento é parabólico”.
Obviamente, esse sentido é fundamentado no literal. Ou seja, o
sentido espiritual tem sua explicação no significado que o texto literal
informa.
O Senhor usa
“o exemplo da prisão e a penitência necessária que ela representa como uma
metáfora para o sofrimento purgatorial” (Tim Staples).
Os
protestantes acreditam que o Senhor estaria apenas dando instruções para esta
vida, como a conduta cristã apenas nos moldes sociais. Isso é corroborado por
Karl Weiss, que reclama do padre Vicente Wrosz, asseverando que o mesmo:
"Nem por um momento, contudo, cita o contexto da passagem
bíblica", e explica-a da seguinte maneira: "Não se trata,
portanto, de uma parábola ou de uma revelação sobre o reino de Deus, mas de uma
mensagem direta sobre os caminhos do homicídio".
A respeito
da oferta, o teólogo escreve: "Jesus continua sua explanação mostrando
que ninguém deve entregar uma oferta a Deus se estiver com algum assunto mal
resolvido com um irmão, pois aquele problema a ser resolvido pode se
transformar em um problema judicial e levar um dos que pleiteia à prisão."
Ele afirma que Jesus não estava falando metaforicamente, mas as palavras eram
denotativas ou literais, no concreto significado social, sendo, portanto,
conselhos de conduta cristã e corretas atitudes sociais. Em outras palavras, o
Senhor estaria preocupado se alguns dos discípulos fossem presos, pela polícia
da época, por questões de briga - na igreja. É, obviamente, uma interpretação
infundada e que tem o objetivo claro de negar o purgatório nessa passagem.
Assim, é que
entende-se as palavras de Staples: "A interpretação tradicional
Protestante é muito fraca quando os versos são tomados contextualmente". E
de fato o é. Vejamos o ensino de Jesus no contexto do capítulo 5 e em toda a
Bíblia.
"Eles
(os versículos) são encontrados no meio do famoso Sermão da Montanha, onde
nosso Senhor ensina sobre o céu (v. 20), o inferno (29-30), e ambos os pecados
mortais (22) e veniais (19), em um contexto que apresenta “o reino do céu” como
o objetivo último (veja 3-12). Nosso Senhor continua a dizer se você não ama
seus inimigos “que recompensa tem você”(46)? E Ele deixa bem claro que essas
“recompensas” não são desse mundo. Elas são “recompensas do Pai de vocês que
está no céu” (6:1) ou “tesouros no céu” (6:19).
Mais
adiante, como João assinala no capítulo 20, verso 31 do seu Evangelho, toda
Escritura é escrita “para que crendo, você tenha vida em seu nome”.
A Escritura
deve ser sempre vista no contexto de nossa completa realização da vida divina
no mundo vindouro. Nossa vida presente é apresentada “um vapor, que aparece por
um pouco, e depois se desvanece”. Pareceria estranho ver a ênfase no outro
mundo em todo do Sermão da Montanha, excetuando estes dois versos.
Adicione a
isso o fato que a palavra grega para prisão, phulake, é a mesma
palavra usada por Pedro (em 1 Pedro 3:19) para descrever o “lugar da prisão” ao
qual Jesus desceu após a Sua morte para liberar os espíritos presos dos crentes
do Antigo Testamento, e a posição Católica faz até mais sentido. Phulake é
demonstravelmente usado no Novo Testamento para referir-se a um lugar de prisão
temporária e não exclusivamente nessa vida."
Mike afirma
que os católicos são vítimas enganadas por uma fabricação fatal. Escreve que a
invenção do purgatório é uma das mais sedutivas atrações da religião Católica
Romana. Cita Jonh MacArthur, que afirma ser o purgatório uma rede segura para o
católico, o qual não vai para o inferno, e se ele não existisse não haveria
segurança, nem oportunidade de entrar no céu. O purgatório é uma segunda
chance, é uma outra chance depois da morte. Essas palavras são de um estudioso
protestante sobre o purgatório. É inacreditável alguém que estuda uma doutrina
e não a entende. Talvez o Catecismo seja difícil demais, quase impossível de
entender, como Rick Jones afirma em uma de suas análises. Contudo, essa
dificuldade parece ser típica para aqueles que perdem a fé.
Segundo Mike
Gendrom, nos primeiros dois séculos da Igreja não havia a fé no purgatório, ou
mais exatamente, não há menção da doutrina. Então, a crença teria entrado na
Igreja com os pagãos que abraçaram a fé cristã, mas que não deixaram suas
tradições pagãs, quando o imperador Teodósio (379-395) oficializou o
Cristianismo no Império. O autor afirma que a base da doutrina é extra-bíblica.
Admite, no entanto, que a mesma era conhecida pelos judeus e pagãos antes da
era cristã.
Mike
interpreta a concepção de pecado venial como uma mentira (Gen 3:4), e repete a
já conhecida tese de que a cruz foi suficiente para purificar de todo o pecado,
não restando nenhuma purificação para o salvo. Essa ideia já foi refutada neste
estudo.
Para o
autor, a Bíblia não fornece suporte algum para a doutrina, não dando nome e nem
o conceito de um fogo purificador. Ele considera a prática dos judeus macabeus
como iníqua. Sobre a prova de 1 Coríntios 3:15, Gendrom afirma que o contexto
trata do teste das obras do homem através do fogo. As obras que permanecem são
aquelas feitas para a glória de Deus, as outras são queimadas e destruídas. Não
são os pecados dos homens, mas suas obras espúrias.
Mike Gendrom
usa a Bíblia para sua refutação da doutrina do purgatório, da forma como foi
entendida acima. Resumidamente temos o seguinte: primeiro é que não há como
purificar o pecado fora do sangue de Jesus. O homem deve confiar em Cristo, não
num lugar. Chama a doutrina de uma das muitas mentiras de Satanás. E cita Judas
24, que afirma que Cristo apresentará os santos perante Sua glória.
É importante
notar que a exposição de Mike sobre o purgatório é mesclada de erros. Ele
acredita que o purgatório é uma chance de salvação, e que expia os pecados fora
do sangue de Cristo. Considera os pecados veniais da mesma forma como os
mortais, e interpreta as provas de Macabeus e 1 Coríntios como sendo
respectivamente práticas erradas e tratando de outra questão.
"Em
outra tentativa de encontrar suporte para o Purgatório, muitos católicos apontam
para esse verso: "Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas
o tal será salvo, todavia como pelo fogo" (1 Cor 3:15). Claramente, o
contexto desse verso é o teste das obras de um homem pelo fogo. As obras que
permanecem são aqueles feitas para a glória de Cristo e são chamadas ouro,
prata e pedras preciosas (Ef 2:10). Todas as outras obras supérfluas são
queimadas no fogo e são chamadas madeira, palha, feno. Não são os pecados do
homem que estão sendo purgados. São as obras espúrias que estão sendo queimadas
e destruídas"(Mike Gendrom).
A explicação
de Gendrom é um tanto evasiva e errônea. Ele tenta tirar qualquer alusão ao
purgatório, e com tal convicção ele introduz problemas de heresia. O autor
afirma que o contexto refere-se ao teste das obras do homem, e que há obras
feitas para a glória de Deus e obras espúrias. Aquelas são aprovadas e as
últimas destruídas.
Deveria o
autor responder o motivo de queimar algo que não é imperfeito, pois se não são
pecados, então são de acordo com a Vontade Deus. Se as obras espúrias do homem
não são pecaminosas, por que foram queimadas? E se essas mesmas obras espúrias
não foram feitas para a glória de Cristo, então para a glória de quem seriam? O
homem pode agir segundo a vontade divina ou de forma neutra? Se as obras
espúrias não fossem más, deveriam, no mínimo, ter nenhum peso no teste, e não
mereceriam a destruição, já que seriam boas, ou no mínimo neutras, o que não
existe. Por essas questões já pode-se imaginar o absurdo a que chegou Mike
Gendrom. A verdade é que o texto estabelece os elementos verdadeiros da
doutrina do purgatório.
Agora,
apresento a explicação de Tim Staples sobre 1 Coríntios 3:15 (contexto, 11-15),
a qual refutará mais profundamente a interpretação de Mike Gendrom.
"Primeira
Coríntios 3:11-15 pode ser o texto mais simples de toda Sagrada Escritura
quando se trata do Purgatório:
Porque
ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus
Cristo.
E,
se alguém sobre este fundamento formar um edifício de ouro, prata, pedras
preciosas, madeira, feno, palha,
A
obra de cada um se manifestará; na verdade o dia a declarará, porque pelo fogo
será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um.
Se a
obra que alguém edificou nessa parte permanecer, esse receberá galardão.
Se a
obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia
como pelo fogo.
Nenhum
cristão pode, pelo menos, negar que esse texto fala do julgamento de Deus onde
as obras do fiel serão testadas após a morte. A passagem diz que
nossas obras passarão pelo "fogo", falando figuradamente. Na
Escritura o "fogo" é usado metaforicamente de duas maneiras: como um
agente purificador (Ml 3:2-3; Mt 3:11; Mc 9:49) e como aquilo que consome (Mt
3:12; 2 Ts 2:7,8). Assim, é aqui um adequado símbolo para o julgamento de Deus.
Algumas das "obras" representadas estão sendo queimadas e algumas
estão sendo purificadas. Essas obras permanecem ou queimam de acordo com sua
"qualidade" essencial. (Gr. hopoiov, "de que
sorte").
O que está
sendo referido não pode ser o céu porque há imperfeições que necessitam ser
"queimadas" (ver Hb 1:13; Ap 21:27). Não pode ser o inferno, pois
almas estão sendo salvas. Então, o que é? Os Protestantes chamam-no de "o
Julgamento", e nós católicos concordamos. Os católicos simplesmente
especificam a parte do julgamento dos salvos onde as imperfeições são purgadas
como purgatório.
Pelo que nos
explica Staples, ainda que se quisesse fugir, diante de todas as provas aqui
apresentadas, e dizer que o texto sagrado acima tivesse outra aplicação, não
seria possível fornecer um exemplo razoável. Se se dissesse que os que tivessem
sua obra de acordo com o Senhor teriam recebido recompensa, e aqueles que
tivessem sua obra reprovada teriam escapado por um fio, tal implicação seria
que a salvação se deu "pelas" obras, onde um salvou-se pela justiça
apresentada e outros conseguiram quase que inexplicavelmente! Veja que heresia!
Concluindo,
o texto trata do julgamento daqueles que construíram suas vidas sobre Jesus Cristo,
o verdadeiro fundamento, mostrando que uns recebem recompensas por seus frutos
na graça, e outros, ainda que com alguns pecados, são purgados e são salvos. A
distinção entre pecados se dá no fato de que há aqueles que desligam de Cristo,
enquanto outros não, o que a santa Igreja ensina, conforme a Sagrada Escritura,
sobre pecados mortais e veniais.
O
protestante irá imediatamente focar no fato de que em nenhum lugar o texto
explicitamente menciona "a purificação do pecado". Ele descreve
somente o teste das obras. A passagem enfatiza as recompensas que
os crentes receberão por seu serviço, não como seu caráter é purificado do
pecado. E os crentes assistem aqui, que suas obras passam pelo fogo, enquanto
eles escapam dele.
Aqui está a
resposta bíblica e católica. Primeiro, deve-se questionar, o que são pecados,
senão obras más ou iníquas (ver Mt 7:21-23; Jo 8:40; Gl 5:19-21)? Se essas
obras não representam pecados e imperfeições, por que necessitariam ser
eliminadas? Segundo, é impossível para uma obra ser purificada à parte do ser
humano que a realizou. As obras em si não existem fora da pessoa que as
realizou. Nós somos, num certo sentido, o que nós fazemos, no que diz respeito
a nossas escolhas morais. Não há tal coisa como uma obra flutuando em volta de
algum lugar separada de um ser humano, que poderia ser purificada à parte desse
ser humano. A ideia de obras serem separadas de pessoas não faz sentido.
O mais
importante, contudo, essa ideia de obras serem queimadas à parte da alma que
realizou a obra contradiz o texto. O texto diz que as obras serão testadas pelo
fogo, mas "se a obra permanecer (...) esse receberá galardão. Se a obra de
alguém se queimar, sofrerá detrimento.". E, "o tal será salvo,
todavia, como pelo fogo". (Gk. dia puros). A verdade é: ambos,
as obras do indivíduo e o indivíduo, passarão pelo "fogo" purificador
descrito por Paulo, para que "ele" possa finalmente ser salvo e
entrar na alegria do Senhor. Soa muito como o purgatório, não é?" Até aqui
Tim Staples.
Finalmente,
o purgatório é o resultado do julgamento dos salvos que ainda possuem faltas
veniais, e que serão purgados com o fogo purificador. Não se fala de outra
chance de salvação e nem de purificação fora de Cristo. A purificação é feita
naqueles que construíram suas obras sobre o verdadeiro fundamento que é Jesus
Cristo.
O Dr.
Samuele Bacchiocchi reconhece a dificuldade para explicar o texto de 1
Coríntios 3:11-15.
No entanto,
afirma que a interpretação católica ignora três pontos importantes.
1)
São Paulo está falando sobre o “teste das obras” e não do “sofrimento de
almas”. O Dr. Bacchiocchi afirma: “Simplesmente afirmado, a questão aqui não é
sobre o “pecado” e sua punição, mas sobre a “recompensa” pelo serviço prestado
por aqueles que já estão salvos”.
2)
Somente suas obras são queimadas. Ele questiona o fato dos que praticam obras
perfeitas passarem pelo teste de fogo.
3)
O fogo não purga a alma do pecado, mas testa a obra. O foco está no galardão
que os crentes irão receber por seus serviços.
A isso
pode-se responder que:
1)
O teste de obras atinge aquele que as praticou, já que as obras não são
elementos separados como tendo existência independente do praticante. Quando
obras imperfeitas não passam no teste, quem sofre a perda é o praticante. Ou
alguém duvida¿ As obras desaparecem, mas o praticante, que está salvo, escapa
do fogo perdendo a recompensa das obras. Ele sofre ao ver o veredito de Deus,
no julgamento, reprovar suas obras, e aniquilá-las, tornando-as inócuas para o
seu relacionamento com Deus, e sua vida em relação a Cristo. Assim sendo,
aquele que ama a Jesus, e viveu no Seu caminho, sofrerá por ver que sua vida
incluiu coisas que a Deus não agradou, e que foi queimada pelo fogo
purificador. Se essas obras imperfeitas foram destruídas, e o homem que as
praticou foi salvo, então segue-se que sua consciência agora limpa,
2)
Sobre a queimação das obras já foi respondido acima. Por que até os que fizeram
obras perfeitas parecem passar pelo fogo? Note que o texto louva as obras que
resistiram o julgamento. Nada fala de sofrimento por parte do praticante, mas
que esse recebe a recompensa. Portanto, esse fogo não faz sofrer quem praticou
obras segundo a vontade de Deus. O salvo passa pelo fogo, suas obras resistem,
ele não sofre, é santificado e entra na glória. Há também a possível explicação
de que o mesmo seria como que não passou pelo fogo, quando se compara o que foi
dito daquele que teve as obras queimadas.
3) Quando o
fogo testa a obra, destruindo-a, purifica o praticante, para que entre no céu.
Para que serve o julgamento? Somente para recompensar ou não recompensar? Na
verdade, o juízo das almas santas é também para terminar a santificação. O fiel
salvo, que escapou do incêndio, não sofreu nada com a perda do galardão? Perder
algo causa sofrimento. Reflita. É, portanto, satisfatória a explicação
católica.
Norman Geisler afirma
que o texto de 1 Coríntios 3,15
(1) “não diz, nem
sugere, qualquer coisa que o crente
possa sofrer, em termos de consequências temporais no purgatório, por causa de
seus pecados”.
(2) Os apologistas
católicos reduzem o sofrimento purgatorial a uma experiência de santificação
após a morte.
(3) todos já estão
santificados para aparecer diante de Deus, já estando perfeitos diante de Deus,
e a necessidade de melhorar na prática não há o que ter com a perfeição já
existente para o reino.
(4) O contexto não fala
da consequência do pecado, mas da recompensa. “Será a perda de uma recompensa
por não ter servido fielmente a Cristo”. Não há nada para sofrer porque Cristo
já pagou pelos nossos pecados.
(5) O fogo não
purifica, mas revela e testa a nossa obra. Não há nada no texto de purificação
do pecado. Ao finalizar, Norman Geisler afirma que a purificação é pragmática,
o que entende-se que Geisler reconhecer tratar de um tipo de purificação. O
foco é o que o cristão irá receber e não como o seu caráter será purificado.
Pelo que há no
argumento de Norman Geisler sobre essa passagem, pode-se resumir que o crente
já estaria absoluta e perfeitamente santo para entrar no céu, e a necessidade
de santificação seria apenas pragmática, funcional, entendida apenas
materialmente. Sendo assim, voltemos à Palavra de Deus para responder à crítica
e interpretação de Geisler.
É preciso notar que o
assunto é profundo, mas que o que foi ensinado é como leite para criancinhas,
já que São Paulo afirma que eles não estavam preparados para alimento
espiritual mais sólido. Assim, o desenvolvimento do raciocínio do que está em 1
Coríntios 3,15 é bastante profundo, mas ao mesmo tempo facilmente
compreensível.
Como poderia os crentes
estarem perfeitos para entrar no céu, e ao mesmo tempo necessitarem de melhorar
na prática, quando essa melhora é praticamente dispensável, já que não afeta a
entrada no reino? O bom senso já denuncia esse erro.
E a palavra de Deus
rejeita tal interpretação, mostrando que no juízo as obras são analisadas e
aquele que as tem reprovadas é, no entanto, salvo “como através do fogo”, ou seja, comparável a quem está passando por
um caminho de fogo, ou como já indica outra tradução possível, como quem escapa
de um incêndio.
Imagine o salvo sendo
julgado, vendo sua vida examinada à luz da lei de Deus e de Cristo, e
reconhecendo nela obras que desagradaram a Deus, e que foram mal construídas
nem Nome de Jesus, e escutando a reprovação das suas faltas e dos seus pecados,
pronunciada pelo Divino Juiz dos vivos e dos mortos?
A explicação simplista
de que se trata de apenas receber galardão ou perder o galardão, não faz
justiça ao texto sagrado. Quem recebe prêmio tem uma alegria maior. Quem perde
sofre de alguma maneira. De fato, alguém estaria muito alegre nessas
circunstâncias? Ou sentiria uma santa contrição e aperfeiçoaria sua relação com
Deus, por ver exatamente em que não foi fiel? Exatamente a segunda opção, que implica
uma purificação do caráter e aperfeiçoamento da relação com Deus.
Perceba que aquele que
“sofre perda” não pode não sentir o que decorre da perda, pois o motivo disso é
ter cometido pecados, veniais é claro, mas que foram reprovados. Será feliz,
aliás como não ser, já que foi salvo. Mas antes disso, passará por purificação
pelo fogo. É o que ensina a Bíblia.
A ilustração da
construção com vários materiais denotam, segundo o sentido de cada material, as
obras santas ou os pecados, a partir do significado desses objetos no cenário
apresentado. O ouro, a prata e as pedras preciosas são as obras aceitas por
Deus. Por outro lado a madeira, a palha e o feno são os pecados, chamados
veniais porque não afastaram de Deus, mas serão castigados por serem pecados. A
purificação é interior, no próprio coração do salvo, e não uma mera atitude
pragmática.
Além disso, a alegação
de que são as obras que passarão pelo fogo é contrariada pela Bíblia, como já
provado, que apresenta a seguir, não mais as obras, mas o salvo como que
passando pelo fogo. Essa é a verdadeira teologia.
Geisler não interpreta
esse texto, pois certamente reconhece que o mesmo é claro sobre o assunto. O
que afirma é apenas relativo ao que pensa do livro, não reconhecendo sua
inspiração. Assim, as implicações da passagem de Macabeus 12, 42-46 são fortes
no assunto da purificação pós-morte.
Jesus afirma que a
blasfêmia contra o Espírito Santo não tem perdão. É uma afirmação categórica.
Esse sentido absoluto da impossibilidade do perdão, porém, traz um sentido
possível de ser desenvolvido, pois o Senhor Jesus não disse simplesmente que
não há perdão, mas que não o há aqui e nem no outro mundo.
O pecado mortal não
pode ser perdoado após a morte, porque ele causa um desligamento, um
afastamento entre a pessoa e Deus. Mas Jesus pode perdoar, aqui neste mundo,
qualquer pecado, desde que haja arrependimento.
Ao afirmar que o pecado
contra o Espírito Santo não pode ser perdoado no mundo futuro, dá a entender
que há pecados que o podem. Fazendo uma correta exegese bíblica, chega-se à
conclusão que são apenas faltas veniais, e que configuram a doutrina do
purgatório.
Norman Geisler entende,
em primeiro lugar, que a prisão dessa passagem é material, a partir dos versos
21 e 22, mas não consegue apresentar mais nada além dessa afirmação.
Se Jesus
está falando em todo o contexto de coisas espirituais, como poderia no meio de
um verso passar a falar em medidas policiais, em prisões terrenas? Já se nota que a interpretação está
deslocada e sem fundamento.
A segunda razão é que a
ideia de purgatório viria antes, e a passagem serviria para ilustrar o que já
está sendo crido. A terceira razão seria que o crente não necessitaria de pagar
por pecados nem temporalmente.
Todas as “razões” que
Geisler apresenta nesse contexto são inócuas. A primeira já está refutada no
presente estudo.
A segunda é descabida. De fato, a Escritura apresenta essa
prisão espiritual, e tratando de explicá-la chega-se, por meio de outros textos
bíblicos, à doutrina do purgatório. Sendo a presente passagem uma das que
fundamentam a doutrina.
Sofrimentos
naturais temporários
O purgatório implica em
sofrimento temporário. Os protestantes creem que no mundo há uma relação de
causa e efeito quanto ao que semeamos (cf. Geisler), mas negam que isso possa
ocorrer após a morte. É como se a justiça de Deus, que exige reparação, e que é
manifesta na mesma relação de causa e efeito, é como se a mesma deixasse de
existir pela morte. Ou em outras palavras, é como se Deus não tivesse
castigando os filhos como faz um bom Pai, como está estabelecido em Hebreus 12.
Em Romanos 6,7 está
escrito que o salário do pecado é a morte. Mas o condenado morto não tem
quitada a sua pena quando morre, pois o único que pode libertá-lo do pecado é
Jesus. Assim, o salvo também necessita de enfrentar consequências de seus
pecados, pois Cristo pagou por todos eles, mas essa mesma relação de causa e
efeito pode perdurar para o bem daqueles que amam a Deus, para que reconheçam
mais fortemente seus pecados, mesmo que leves, e voltem-se para o Senhor.
Norman Geisler
reconhecer duas verdades importantes nesse contexto.
1)
Os cristãos devem suportar as
adversidades causadas pelo pecado durante a vida
2)
Deus usa as circunstâncias e
experiências para castigar e purificar os que são Seus (cf. 2 Cor 4,17; Gl 6,
7; Hb 12, 4-11)
Geisler alude a uma
“completa purificação na morte”. Se isso fosse verdade, não haveria nenhum
motivo para o fogo testar as obras no juízo. Esta é uma incoerência doutrina
dos protestantes. A morte é o salário do pecado, mas não purifica todo e
qualquer pecado. Não purifica o pecado eterno, pois esse só o sangue de Cristo.
Não purifica o pecado venial ou as consequências do pecado, pois esses só o
sangue de Cristo. O purgatório é o momento da justiça de Deus em favor do
salvo.
Todos os crentes não
precisam sofrer no purgatório, pois a doutrina católica afirma que existem
aqueles que não estão suficientemente santos em sua vida com Cristo, o que
logicamente afirma que há quem termine a vida com a santidade suficiente
realizada pelo Espírito Santo, e que entre imediatamente no céu.
As consequências
temporais e eternas foram compensadas por Cristo. Isso é um fato, mas ainda
continua a ser realizada a salvação, no sentido de aplicação dos méritos de
Cristo naquele que crê, e por meio de castigos o Pai santifica os filhos, o que
mostra existirem tanto as consequências naturais, como ainda os ativos castigos
de Deus para purificar, para santificar os cristãos. Lembremos o pecado de
Davi. A morte do primogênito não foi advinda da relação causa e efeito do
pecado, mas foi um castigo imposto por Deus para o pecado perdoado de Davi.
Voltemos àquilo que
católicos e protestantes concordam. Em primeiro
lugar o crente deve suportar as adversidades, que surgem por causa do pecado,
em qualquer tempo. Se essas adversidades existem, é porque Jesus permite que
elas existam para o bem dos redimidos. Por isso, não se pode apresentar essas
adversidades para falar contra a suficiência da morte vicária de Cristo.
Em segundo lugar, admite-se que Deus usa as circunstâncias e as
experiências para a purificação dos salvos. Isso equivale a dizer, em outras
palavras, que isso é o purgatório dos crentes ainda em vida. Se existe essa
purificação, se Deus utiliza tudo isso para a santificação dos que são Seus,
nada disso pode ser usado para falar qualquer coisa contra a suficiência da
morte de Jesus Cristo em favor dos pecadores salvos. Dessa forma, a morte de
Jesus não suspende ou inviabiliza automaticamente
os castigos temporais, os modos pelos quais Deus purifica Seus filhos.
Por tudo isso,
raciocinando com os dados da Bíblia Sagrada, pelo mesmo motivo Deus não
suspende automaticamente as purificação do purgatório, ou as consequências das
faltas dos salvos, antes que eles estejam totalmente preparados. Não se pode
falar por causa da purgatório qualquer coisa contra a suficiência da morte de
Cristo.
Os textos citados por
Geisler afirmam coisas que não negam o purgatório.
2 Cor 4,17
A tribulação presente
prepara para um peso eterno de glória no céu. Mesmo para os cristãos mais fieis
isso é uma realidade. Imagine agora os cristãos que perderão seus prêmios pelo
fogo.
Gl 6, 7
“O que o homem semeia,
isso mesmo colherá.” É uma verdade tremenda. E não pense que isso se refere
apenas a coisas materiais. O verso 8 afirma que quem semeia na carne, ou seja,
com seus pecados e vícios, esse colherá corrupção. A corrupção é a condenação.
Aquele, porém, que semeia no Espírito, com suas obras segundo a Lei de Cristo,
esse colherá a vida eterna. É uma das passagens mais importantes para falar das
obras e da salvação. Há uma estreita ligação aqui com a semeadura no Espírito,
que é o modo de proceder a vida conforme a vontade de Deus, onde o resultado é
a vida eterna. Isso é o mesmo que afirmar que as obras possuem relação com a
vida eterna. O contexto é sobre as obras realizadas em Cristo.
E o texto de Hb 12, 11
afirma que a correção causa momentaneamente pesar, mas depois ganha “fruto de
justiça e de paz”. É isso que se espera daquele que passa pelo purgatório.
“A
cruz de Cristo é o único fundamento pelo qual Deus perdoa pecados” (STOTT).
No purgatório, então, o perdão só é possível pelos méritos da cruz. John Stott
elabora uma resposta, sobre o perdão baseado na cruz, tendo como base o escrito
do arcebispo santo Anselmo, o qual afirma que o motivo da cruz é a gravidade
extrema do pecado:
“Quando a
percepção que temos de Deus e do homem, da santidade e do pecado, é tortuosa, então nossa compreensão da expiação
provavelmente também será tortuosa”.
Essa
reflexão está diretamente ligada ao problema do purgatório. Muitos questionam o
motivo de se ter de “sofrer” algo a mais após o perdão, se a
cruz tudo perdoou, se o sangue de Cristo nos livrou de todo o pecado.
Essas
questões, embora sejam interessantes e necessárias, não oferecem problema algum
para a doutrina ortodoxa da purificação no purgatório.
Stott afirma
que “o pecado não é mero dano pessoal” (p. 45). Ainda, que Deus é amor, mas o
amor divino é santo, “amor que anseia pelos pecadores enquanto que ao mesmo
tempo se recusa a tolerar o pecado”.
Alguém dirá: mas o pecado uma vez perdoado
na cruz não existe mais. E o purgatório tornar-se-ia assim sem sentido. Por
isso, é necessária maior elaboração para uma resposta a essa argumentação.
As objeções
rápidas, e frequentemente erradas, a respeito do purgatório (em sua negação)
devem-se ao fato de que seus proponentes não “pensaram cuidadosamente na
seriedade do pecado nem na majestade de Deus”, para usar as palavras de John
Stott a respeito das respostas que muitos dão com relação à cruz.
Desse modo,
a doutrina da cruz pode ajudar a compreender o purgatório. Todavia, não anula a
doutrina do purgatório, mas a estabelece, e ilumina. No exame de Stott sobre a
“santidade e a ira de Deus” ele questiona: “Mas podemos pensar que Deus
"pune" ou "julga" o mal?”. Deveras, esse é o ponto básico
para pensarmos no purgatório: o amor e a santidade de Deus, também a ira e a
justiça divina.
Deus é bom,
amoroso, santo e justo. Essas características não podem ser perdidas de vista
quando pensamos na doutrina do purgatório.
E sabendo
que Deus é imutável, o mesmo no passado, no presente e no futuro, que Cristo é
“ontem, hoje e sempre” (cf. Hebreus 13:8), escreve Jonh Stott quanto à ira
divina:
“Certamente
não podemos descartá-la dizendo que o Deus de ira pertence ao Antigo
Testamento, ao passo que o Deus do Novo é amor”.
Continuando
a expor sobre a santidade de Deus o autor escreve: "A santidade de Deus
expõe o pecado e a sua ira se opõe a ele" (p. 57). O assunto aqui é a cruz
do Senhor pela salvação da humanidade.
O livro não
trata diretamente da questão do purgatório. Contudo, pelo fato do assunto da
Cruz surgir frequentemente nas objeções protestantes quanto ao purgatório, é
importante resgatar essa questão mais de perto. Dessa maneira, é possível fazer
ligações das afirmações doutrinárias referentes à cruz para iluminar a questão
concernente à purificação do pecador.
É verdade
cristã fundamental que toda purificação é feita em Cristo. Ele proveu a
satisfação pelos pecados. É preciso entender profundamente essas noções cristãs
para captarmos a necessidade do purgatório para o cristão. Ainda há a questão
do sofrimento, tão horrível que é à mente humana, que naturalmente requer, da
parte do pecador, que seja o mais rápido e facilmente afastado.
Por isso, há
objeções a respeito da reconciliação do sofrimento com a justiça e o amor de
Deus. Como pode haver sofrimento no mundo, e mais ainda, como pode haver
sofrimento após o perdão.
John Stott,
ao tratar da questão do purgatório, alude ao "sofrimento redentor",
quando escreve: "A igreja Católica Romana tradicionalmente tem falado
de "sofrimento redentor". Seu ensino oficial é que, mesmo depois que
a culpa de nossos malefícios é perdoada, seu castigo ainda deve ser completado
aqui nesta vida ou no purgatório (que é "a igreja sofrendo")".
A doutrina
protestante é contrária a esse ensino. Ainda que vislumbre verdades relativas a
ele, e que consiga enxergar lampejos de sua existência, não consegue
compreendê-la, por apegar-se à tradição protestante.
Stott
continua: "Assim, o perdão não cancela a penitência, pois o castigo
será acrescentado ao perdão." Essa afirmação necessita de maior
elaboração.
De forma
impressionante, o autor trata da questão da disciplina divina em relação ao
pecador. A palavra disciplina tem sentido múltiplo e pode ser mal
entendida em seu emprego em diversos contextos.
Existe a disciplina que o
cristão realiza, mantém e desenvolve na vida cristã, através de exercícios
espirituais, suscitados e auxiliados pela graça, e que orienta a vida na graça.
Por outro lado, existe a disciplina que Deus efetua no pecador, segundo Sua
justiça e amor, para que sejam corrigidos aqueles pontos que mesmo a disciplina
do cristão não conseguiu fazer.
Há, então,
uma mão-dupla de disciplina: aquela de Deus em relação a nós, e aquela que está
em nossa responsabilidade realizar, para nosso próprio bem. Nessa última a
Igreja nos orienta.
Nesse
sentido, Jonh Stott afirma, expondo a doutrina católica: "As melhores
penitências, além do mais, não são as designadas pela igreja mas as
enviadas pelo próprio Deus — a saber, "cruzes, enfermidades, dores"—
as quais propiciam o nosso pecado."
A disciplina
das "cruzes, enfermidades, dores" estão no contexto do purgatório.
Certamente, o autor não se deu conta dessa implicação. Em seguida reconhece:
"Esse tipo de ensino, que parece tanto subestimar a perfeição com a qual Deus,
mediante Cristo, nos redimiu e nos perdoou, como atribuir eficácia expiadora a
nossos
sofrimentos, é muito ofensivo à mente e consciência protestante".
Essa questão
já foi algumas vezes apontada no presente exame. Ainda que nada que
façamos passa conseguir salvação, os sofrimentos que Deus, muitas vezes,
utiliza para purgar as penas dos pecados, está estritamente ligado a ela. Ou
seja, cada ação de Deus em prol do pecador tem certa associação com a salvação.
Concluindo
sobre o sofrimento, Stott parece estar descrevendo algo do purgatório:
"Combinam-se
assim o ensino bíblico e a experiência pessoal, com o propósito de ensinar que
o sofrimento é o caminho para a santidade ou maturidade.”
Ora, o
"caminho para a santidade" é o cerne da doutrina do purgatório. E, quando
Jonh Stott, questionando sobre a razão do sofrimento, outra afirmação ilumina,
mais uma vez, o tema:
“Sendo
assim, às vezes indago se o teste real de nossa fome por santidade não é a
disposição em experimentar o sofrimento, em qualquer grau, se tão-somente
através dele Deus nos tornar santos (p. 179)”.
Mais adiante
o autor diz: “Na passagem aos colossenses ele diz que seus sofrimentos
preenchem o que resta das aflições de Cristo.”
É necessário
estacionar por um tempo ao tratar da doutrina revelada por São Paulo em
Colossenses. Por isso, far-se-á uma reflexão para compreender exatamente o que
essa doutrina traz como consequência no assunto em debate. Aliás, esse ensino
está muitíssimo ligado à comunhão dos santos.
Pois bem.
Colossenses 1, 24 é um texto de dificuldade insuperável para o Protestantismo.
Assim, não é possível que Stott compreenda a passagem completamente (ou perceba
que essa é de fato a posição católica), no sentido de poder desenvolvê-lo até
atingir o seu fim, já que a lê segundo a perspectiva protestante.
O texto
afirma: “Regozijo-me agora no que padeço por vós, e na minha carne
cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja.”
São Paulo
"padece por vós", ou seja, pelos cristãos de Colossos, cumprindo na
sua carne "o resto das aflições de Cristo", em favor da Igreja:
"pelo seu corpo, que é a igreja". Isso ele o faz em alegria
("regozijo", escreve). Esse sofrimento do apóstolo é parte do
sofrimento de Cristo ("o resto") ofertado em favor dos cristãos.
É certo que
São Paulo não está tornando-se "corredentor" no sentido de adicionar
algo à Cruz ou de completar o que nela falta, pois é completa, mas no sentido
de cumprir a parte que o Senhor deixou para nós. E, realmente, essa parte real
deve ser experimentada de alguma forma por cada membro do Seu corpo.
A doutrina
cristã católica ensina que em Cristo não falta nada quanto à salvação, como
Cabeça da Igreja, mas faltam aflições em Seu corpo, a Igreja. São João
Crisóstomo fala dos sofrimentos de Cristo na Igreja.
Portanto,
essas tribulações acontecem no Seu Corpo místico. Esses sofrimentos em união
com Cristo podem ser destinados a outros, em favor deles, aplicando os méritos
de Cristo, e é nesse sentido que ainda faltam tribulações.
Stott não
pode explicar ainda, apenas nega o sofrimento de caráter expiatório, sofridos
pelos outros: "Podemos ter certeza de que Paulo não está atribuindo eficácia
expiadora a seus sofrimentos, em parte porque sabia que a obra expiadora de
Cristo fora concluída na cruz, e em parte porque usa a palavra especial
"aflições" (thlipseis) que denota suas perseguições. São estas que
não estavam terminadas, pois ele continuou a ser perseguido na sua igreja".
No entanto,
como São Paulo era católico, sua teologia também é católica. Por isso, Stott
faz um questionamento arrepiante para a mente protestante: "Parece um
absurdo. Será que Paulo realmente pensa que seus sofrimentos obterão a salvação
e a glória deles? Sim, ele pensa."
Sendo essa a
condição, São Paulo é, nesse sentido, um "corredentor" com Cristo
nosso Senhor.
Tais
palavras parecem "blasfêmia" para a mente protestante, que não as
pode nem mesmo ouvir. Mas elas explicam o que está escrito. A noção que o texto
de Colossenses apresenta é importantíssima para compreender a doutrina da
salvação. E que sentido de corredenção é esse?
Stott conseguiu
captar. De fato, não é o sentido direto, de sofrer e alcançar a graça
salvadora, mas indireto: "Não diretamente, contudo, como se seus
sofrimentos possuíssem eficácia salvadora como os de Cristo, mas indiretamente
porque estava sofrendo pelo evangelho que eles deviam ouvir e aceitar
a fim de serem salvos".
Os
sofrimentos e o serviço caminham juntos, diz Stott, "e os sofrimentos
do apóstolo eram um elo indispensável na cadeia da salvação deles."
Comentaristas
bíblicos protestantes demonstram esforço para explicar essa passagem
bíblica. Após fazer referência à doutrina católica, Barne explica: “…mas
que havia muito ainda faltando de sua parte antes que ele devesse estar
inteiramente conformado ao Salvador em seus sofrimentos, e que sua presente
condição foi tal como que para cumpri-la rapidamente.”
Tal explicação ainda não
contempla o texto de Cl 1,24 quanto à aplicação dos sofrimentos em favor dos
outros.
Clark chama
atenção quanto ao uso dos termos, aflições em lugar de paixão, como fez Stott.
Matthew Henri limita-se a explicar que: “Mas Ele (Cristo) sofreu para a
redenção da igreja, nós sofremos por outros motivos...” Ainda assim a nota
explicativa não atingiu o cerne do texto.
Jonh Gill,
em sua exposição mais extensa, tenta desfazer qualquer sentido de “corredenção”
com foi exposto antes.
No seu esforço ele apresenta o seguinte: “por amor do
seu corpo, que é a igreja, não no lugar e em substituição da igreja, e do povo
de Cristo, como foram os sofrimentos pessoais de Cristo, ou para isentá-los dos
sofrimentos que todos têm a sua parte nesta vida, nem pelos seus pecados para
expiar por eles, e obter a remissão deles, nem para redimi-los, ou obter a
salvação para eles, tudo isso é completado por Cristo, mas para o seu bem e
lucro, para que o Evangelho possa continuar e ser abençoado para a conversão de
muitos, para o aumento da igreja e acréscimos a ela, e para a promoção do
Evangelho, e para que tais que o professavam possam ser estabelecidos e
confirmados nele, pelos sofrimentos do apóstolo por ele: e esses bons efeitos
seguem seus sofrimentos e aflições; eles eram para a consolação de muitas
almas, o fortalecimento dos crentes fracos, e para causar até mesmo pregadores
do Evangelho para obrar mais confiantes, e pregar com mais ousadia o Evangelho
sem medo de homem”.
No entanto,
essas coisas que “seguem seus (do apóstolo) sofrimentos” trazem o “bem e
lucro”, a benção e a conversão e confirmação dos crentes em Cristo. E ao aludir
à obra da cruz, indiretamente é reconhecida a realidade de que o sacrifício do
Senhor não isenta a Igreja de sofrer: "ou para isentá-los dos sofrimentos
que todos têm a sua parte nesta vida".
Voltando às
graças recebidas da árdua obra apostólica, como "bem e lucro", isso
significa a garantia do perdão, a reconciliação, a redenção, a salvação, o que
quer dizer, em última instância, que os sofrimentos do apóstolo serviram para
que a graça de Cristo atingisse aqueles aos quais a obra da pregação era
oferecida. Esses efeitos são indiretos, como explica a doutrina católica, e
como bem expressou Jonh Stott. Realmente, essa é a doutrina cristã
católica.
Sendo assim,
o purgatório está totalmente em consonância com a Cruz, já que os sofrimentos
que a ele estão ligados são aqueles que a Igreja sofre como corpo de Cristo, e
recebendo a devida disciplina de Deus. Ainda mais, estando na comunhão dos
santos, a igreja padecente pode receber auxílio pelas obras dos cristãos,
baseados no mesmo princípio de que uns recebem a graça pelo desenvolvimento da
obra de outros. Enfim, restam os sofrimentos que a cruz de Cristo não aboliu,
os quais visam o crescimento dos membros da Igreja na graça.
Assim, fazer
caricatura de uma doutrina para condená-la mais facilmente é o que acontece com
frequência quanto ao purgatório. As palavras que muitas vezes explicam conceitos
bíblicos nem sempre são encontradas na Bíblia. O que importa, porém, é que o
conceito esteja lá.
Deus exige
uma satisfação à Sua justiça. Essa satisfação foi alcançada na cruz. Portanto,
o purgatório é amparado na própria Cruz do Senhor.
[1] A
Treatise on the Soul.
[2]
Disponível em: <http:> Acesso em: 02/11/2011</http:>
Disponível
em: <http:> Acesso em: 01/12/2011.</http:>
[1] Esse
ponto é interessante, pois ele não é o único protestante a afirmar que
“encontrou” incoerências a doutrina católica. Certamente, isso se dá porque há
princípios que os protestantes não compreendem. Precisam aprofundar seus
estudos, e o presente texto é uma oportunidade.
[3] A
obra sobre os Puritanos é de Samuel Bolton, Nathaniel Vincent e Thomas Watson,
prefácio de Albert N. Martin. Disponível em:http://www.editorapes.com.br/.
[1] Os
calvinistas diriam que Cristo não apenas tornou possível, mas que realmente e
infalivelmente perdoou os eleitos, que receberão o perdão com toda a certeza e
serão salvos.
STOTT. John.
A Cruz de Cristo.
BACCHIOCHI,
Samuele. Disponível em: Popular Beliefs: are they biblical?
WEISS, Karl.
A Igreja que veio de Roma. ed. Gráfica Universal LTDA. 1999.
GEISLER,
Norman. Teologia Sistemática, CPAD, 2010.
O
apologista Norman
Geisler afirma que Onesíforo estava vivo, e não faz qualquer tentativa de
fundamentar essa afirmação. Portanto, não há força alguma de sua parte, sobre
esse texto, contra a doutrina da oração pelos mortos, da qual o texto de 2 Tm
1,18 é um exemplo.
Sobre os feitos do sofrimento pelos outros: A explicação de Norman Geisler de Cl 1,24 não chegou
a tanto. A primeira razão que apresenta é que o sacrifício de Cristo é
suficiente, o que está correto. A segunda razão, ele expõe através de Fl 1,29,
onde é dito que sofremos por Cristo.
Mas, em Colossenses 1,24 o sentido é diverso, já que implica em sofremos por outros irmãos, pela Igreja. Geisler
concede que sofremos a dor como parte do Corpo espiritual de Cristo, o que
significa como parte da Igreja, mas somente o que Jesus sofreu fisicamente é
eficiente pelos pecados. Ele não explica que o texto de Cl 1,24 trata do
sofrimento físico do cristão em favor
dos outros, com resultados espirituais. Ao mostrar a terceira razão, a
apologista afirma que mesmo aceitando o sofrimento pelos outros, não encontra
passagem bíblica para que aceite sofrer pelos mortos, parte da negação da
doutrina do purgatório. As falhas de Geisler perpassam seu argumento, pois que
a suficiência de Cristo não é afetada pelas palavras de Cl 1,24, como ele sabe,
mas que elas têm um sentido espiritual, que deve ser explicado, o que não foi
feito pelo teólogo, e que sua recusa em aplicar aos mortos não tem respaldo
bíblico, pois o Corpo de Cristo continua espiritualmente o mesmo, já que os
santos mortos estão em união com Jesus, pois nem a morte os separa do amor de Deus testemunhado em Cristo. (Rm 8,
38-39)